País deve fechar ano-safra 2008/9 com estoques de milho e de soja em níveis extremamente perigosos, segundo analistas No caso do milho, estoques seriam suficientes para apenas duas semanas de consumo; no da soja, para somente 34 dias, diz Usda O mundo vai viver dias ainda mais perigosos no abastecimento de grãos neste ano. É o que mostram os dados de ontem do Usda (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos) sobre a intenção de plantio dos produtores norte-americanos para este ano. Mesmo com o plantio de grãos avançando sobre áreas de preservação ambiental, e com estimativas de produtividade próximas a números recordes, os norte-americanos devem chegar ao final do ano-safra 2008/9 com estoques extremamente perigosos. Se tudo der certo, os Estados Unidos terminam a safra com estoques finais de milho suficientes para apenas duas semanas de consumo -o menor da história. Já os de soja, produto que ganhou a preferência dos norte-americanos neste ano, serão para apenas 34 dias. Esse cenário é "absolutamente dramático", principalmente no caso do milho, segundo Daniele Siqueira, analista da Agência Rural, em Iowa (EUA). Com o líder mundial na produção de soja e de milho tendo números extremamente apertados entre oferta e demanda, Brasil e Argentina ganham importância nesse cenário. A safra americana só poderá ser mais bem avaliada no segundo semestre, período em que brasileiros e argentinos começam a definir o que vão plantar na safra de verão deste ano. Sem áreas novas de plantio, os Estados Unidos estão sofrendo uma revolução nesse período de preços elevados das commodities. A soja, o produto mais atrativo neste ano, deve incorporar 4,6 milhões de hectares no plantio, que sobe para 30,3 milhões, 18% acima do registrado no ano passado. Esses dados superaram a expectativa do mercado. Siqueira diz que a boa recuperação dos preços da soja fez a oleaginosa avançar sobre áreas de milho, algodão, pastagens e até reserva ambiental. Rotação Essas reservas ambientais são áreas que o governo paga para os produtores não plantarem. Em geral, os contratos são feitos por dez anos, e parte dos que estão vencendo -1 milhão de hectares- não está sendo renovada devido à boa valorização das commodities. Apesar do grande aumento da área de soja, que na verdade é uma recuperação das perdas do ano passado, "o quadro da soja segue apertado", segundo a analista da AgRural nos EUA. Essa recuperação se deve a vários fatores, que vão desde aumento dos preços da soja a uma rotação de culturas, feita para elevar a produtividade. Pesaram, ainda, a favor da soja, os elevados custos do milho, por causa do uso de nitrogenados -escassos e caros. O grande perdedor nesse rearranjo do plantio norte-americano é o algodão. Nos últimos dois anos, o produto já perdeu 37% de área, ou seja, 3,5 milhões de hectares. A área de trigo também se recupera e vai a 25,8 milhões de hectares, com aumento de 5,6%. A área de girassol sobe 4,1%, mas a de sorgo recua 4%. Os dados do Usda trazem pressão negativa sobre o mercado no momento, segundo Siqueira. A soja caiu 5,5% ontem, e o milho subiu 1,2%. O risco climático sobre a safra, porém, deve perdurar nos próximos meses, segurando os preços. A exemplo do milho, o Usda espera produtividade elevada para a soja -de 47,2 sacas por hectare. Se confirmada, será a terceira maior da história e bem acima da média de 44,2 sacas dos últimos dez anos. No caso do milho, a produtividade prevista é de 162 sacas por hectare, acima da média histórica de 148,9 sacas. Apesar da redução de área e da produção, o Usda vê ajuste entre produção e demanda. Exportar menos Para equacionar esse cenário, a entidade norte-americana prevê corte de 7,6 milhões de toneladas nas exportações. Entram em cena Brasil e Argentina, cobrindo esse buraco deixado pelos americanos. O milho destinado à produção de álcool deve ficar próximo de 100 milhões de toneladas, enquanto o que vai para a produção de ração recua de 151,1 milhões em 2007 para 137,2 milhões neste ano-safra, na avaliação do Usda. Apesar dessa estimativa do Usda, "quem vai definir o consumo de milho será o mercado", diz Siqueira. Com produção menor, o preço do milho deve subir e fazer com que muitas usinas de álcool diminuam o ritmo de produção. A meta de consumo neste ano é de 34 bilhões de litros nos Estados Unidos. Se as usinas não produzirem o suficiente, principalmente devido aos preços, os EUA deverão importar do Brasil ou mudar a lei que regulamenta o setor, a "Energy Bill". Para Siqueira, a mudança na lei fica difícil porque este é um ano eleitoral, e a alteração contraria o interesse dos produtores de milho.