Governo cancela venda de estoque de arroz e pode taxar produtores. Milho é o próximo Para garantir o abastecimento interno e evitar novos reajustes do arroz - principalmente a partir do segundo semestre, quando começa a entressafra de grãos -, o governo suspendeu as exportações do produto e vai pressionar o setor privado a fazer o mesmo. O governo se preocupa com os efeitos no Brasil da crise mundial provocada pela disparada dos preços de alimentos. O ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, avisou que, se os produtores não atenderem ao apelo, poderão ser punidos com barreiras, como taxação dos embarques. O milho também poderá entrar na lista. A restrição será discutida hoje entre Stephanes e rizicultores. - Queremos chegar a um acordo com o setor privado que vai durar o tempo necessário para que tenhamos segurança de que não vai faltar o produto no Brasil - disse o ministro. Também hoje, a COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO (CONAB) vai leiloar parte dos estoques públicos de arroz, estimados em 1,2 milhão de toneladas. O objetivo é forçar a queda do preço, que vem subindo, conforme o ministro, 1% ao dia. Ontem, havia localidades onde a saca de arroz custava R$ 30, quando o preço mínimo de referência do governo é de R$ 22. Os preços ainda estão sob controle no varejo - a alta foi de 0,72% em março, pelo IPCA. O Brasil produz praticamente todo o arroz que consome e não é um grande exportador. Não deve vender mais do que 500 mil dos 11,9 milhões de toneladas que colherá na atual safra. Mas o forte crescimento do consumo na Ásia levou os países da região - como Indonésia, Malásia, Índia e Vietnã - a limitarem a exportação, para garantir o abastecimento doméstico e segurar preços (a cotação subiu até 119% em um ano). O Egito também limitou exportações. Com isso, muitas nações passaram a procurar o Brasil para comprar o excedente. O país já havia vendido cerca de 500 mil toneladas e decidiu manter como reserva técnica as 600 mil restantes. Segundo técnicos, além de tradicionais compradores, como europeus, asiáticos e sul-americanos, a maior parte das consultas de última hora partiu de africanos - Guiné Bissau, Gana, Nigéria e Congo. Nos EUA, Wal-Mart limita compras l Já o milho está se tornando cada vez mais escasso devido à maior produção de biocombustíveis nos EUA, que usam o cereal como matériaprima. Para Stephanes, embora o Brasil tenha um excedente de 12 milhões de toneladas, precisa ter cuidado: - Podemos ter dificuldade de importação, porque o milho que se produz fora é transgênico e ainda não utilizamos o transgênico. A suspensão no caso do arroz foi decidida há uma semana, mas somente ontem se tornou pública, por causa de uma frase do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em cerimônia na Embrapa: - Muitos países vieram pedir, saber se o Brasil tinha arroz para vender. Todo o mundo quer comprar arroz, e o Brasil não pode abrir mão de seu estoque. Já tinha até vendido umas 500 mil toneladas e foi obrigado a parar, porque não podemos deixar o Brasil correndo risco. A decisão foi mal recebida pela Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA): - A CNA é totalmente contra qualquer imposição de restrição à exportação de produtos agrícolas. Trabalhamos em um mercado livre, aberto e concorrencial - disse o superintendentetécnico, Ricardo Cotta. Sobre o risco de a inflação subir devido aos alimentos, Stephanes disse que os preços "já bateram no teto". Ele não acredita em reajustes adicionais de arroz, derivados de trigo e milho. E lembrou que o governo ampliou recursos para o plantio de trigo. - O Brasil está numa situação melhor que China, Índia e Rússia, que têm mais pressão inflacionária. E o país é grande produtor de commodities - disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega. No mais recente sinal da falta de oferta de arroz, o Sam's Club, divisão atacadista da Wal-Mart, informou que vai limitar a venda do grão nos EUA. O cliente só poderá comprar quatro sacos de nove quilos por vez. Na véspera, o principal concorrente do Sam's Club, a Costco, já havia anunciado limitações em arroz e farinha. n COLABORARAM Chico de Gois e Martha Beck (com agências internacionais) l PARA GOVERNO, PETRÓLEO ENCARECE COMIDA EM 20%. LULA ATACA 'LEVIANDADE', na página 26 Carne, a nova vilã da inflação Demanda forte puxa receita de supermercados, cujos preços subiram 14% RIO e SÃO PAULO. As altas que já se anunciavam no atacado começam a ganhar os açougues dos supermercados. O preço da carne subiu 0,52% nos 30 dias encerrados em 22 de abril, de acordo com o Índice de Preços ao Consumidor Semanal (IPC-S), da Fundação Getulio Vargas. O índice, que subira 0,76% na medição anterior, avançou 0,81% na semana, e a culpa é novamente da alimentação. É a sétima alta consecutiva. A novidade é a presença das carnes no grupo de altas. - Já estávamos esperando essa elevação no varejo, diante da pressão no atacado. Alguns cortes já estão subindo enquanto outros estão caindo menos. O IPC-S deve fechar abril mais perto de 0,9% - disse Paulo Picchetti, coordenador do IPC Brasil. As carnes se unem às massas e farinhas (1,64%) e frutas (5,08%), já presentes no grupo de produtos mais caros. Segundo Picchetti, apenas cinco alimentos explicaram metade do índice de 0,81%: tomate, mamão, pão francês, leite longa vida e cebola. Nos supermercados, a forte demanda interna puxou a alta de 15,38% no faturamento no primeiro trimestre, frente ao mesmo período de 2007, segundo balanço divulgado ontem pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras). Em termos reais, descontada a inflação medida pelo IPCA, a alta foi de 10,26%. Os dados indicam ainda o avanço nos preços pagos pelos consumidores. O Índice AbrasMercado, que mede o comportamento do preço médio de uma cesta com os 35 produtos mais consumidos, entre alimentos e produtos de limpeza e higiene, teve alta de 0,36% em março sobre fevereiro. Frente ao mesmo mês de 2007, o aumento nominal foi de 14,76%, e o real, de 9,58%. Segundo o presidente da Abras, Sussumo Honda, as altas no atacado, particularmente de trigo e arroz, devem chegar ao varejo em breve. (Cássia Almeida e Ronaldo D'Ercole) Abitrigo quer importar sem impostos Janaína Figueiredo*, Martha Beck e Cássia Almeida BUENOS AIRES, BRASÍLIA e RIO. A Argentina informou ontem que não tem data para reabrir as exportações de trigo, pois depende de um acordo com os produtores rurais do país. O presidente do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo), Luiz Martins, quer que o Brasil estenda a alíquota zero de importação de trigo - limitada hoje a um milhão de toneladas - a países de fora do Mercosul. Ele estima que o país terá de importar três milhões de toneladas até o fim do ano: - Se o governo atender à nossa reivindicação, não haverá impacto na cesta básica. O ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, disse que não adianta o governo ampliar o limite: mesmo comprando o produto de outros mercados, como EUA e Canadá, sem imposto, as operações sairiam mais caras, por causa dos preços e do frete. Para o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Massas Alimentícias (Abima), Claudio Zanão, os preços das massas devem continuar em alta até o fim do semestre, subindo mais 15% para o consumidor. Ele disse que, mesmo que a Argentina libere as exportações, será preciso recorrer a outros mercados. - O governo Kirchner tinha prometido reabrir as exportações de trigo em 3 de março, já adiou cinco vezes e agora nos disse que é por tempo indeterminado - disse Martins. O governo brasileiro informou que os dois países vão discutir o assunto na primeira quinzena de maio.