Para tentar garantir o fornecimento interno e conter alta de preços, 12 nações adotam medidas protecionistas como suspensão de exportação, tabelamento de preços de grãos e redução de impostos de importação O estouro da bolha imobiliária dos Estados Unidos e a recessão enfrentada por aquele país, temas que até então atormentavam o mundo, tornaram-se assuntos secundários diante da forte alta dos preços dos alimentos, que começa a provocar convulsão social em vários países. A situação é tão grave, que uma onda de "protecionismo às avessas" está varrendo o planeta e chegou ontem ao Brasil. Os governos, sobretudo os de nações mais pobres, estão impedindo as exportações de alimentos ou impondo restrições para que os produtores priorizem o abastecimento dos mercados domésticos. O problema é que barreiras no comércio mundial de alimentos podem impulsionar ainda mais a alta dos produtos, agravando a crise que os analistas dizem ser a mais grave desde o início dos anos 1970, quando a escassez de comida elevou os preços de forma extraordinária. Nas contas do Institute of International Finance (IIF), 12 países, incluindo o Brasil, anunciaram nos últimos dias barreiras à livre circulação de alimentos: Camboja, China, Índia, Filipinas, Indonésia, Vietnã, Argentina, Cazaquistão, Rússia, Ucrânia e Egito. Os produtos mais visados são o arroz - o Brasil suspendeu as vendas externas por pelo menos seis meses - e o trigo, base da fabricação das massas e do pãozinho. Ontem, a Argentina proibiu novamente os embarques do grão para o mercado brasileiro. A China optou por tabelar o preço do arroz. Já a Rússia reduziu drasticamente as exportações de trigo e a Índia, além de não permitir mais o embarque de arroz, cortou os impostos incidentes sobre a importação de petróleo e seus derivados. Tudo com o objetivo de controlar a inflação, que está saindo do controle. Para o economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luís Otávio de Souza Leal, "infelizmente", os países estão optando por "gambiarras" para tentar resolver os problemas ocasionados pela alta dos alimentos. "E é possível que elas funcionem a curto prazo", disse. A seu ver, no entanto, restrições só agravam as distorções, que vão criar problemas ainda mais graves em médio prazo. "Ao não exportarem, muitos países deixarão de receber dólares e poderão registrar déficits nas contas externas e desvalorizações em suas moedas, gerando mais inflação", destacou. "Nos locais dependentes de importação, o desabastecimento poderá provocar o caos", emendou. No Haiti, na Bolívia e no Egito, a escassez de comida e os preços altos levaram multidões às ruas para protestar ante às dificuldades. Longe do fim Mas a crise dos alimentos, que pode levar pelo menos 15 milhões de pessoas à indigência nos países latino-americanos ao longo deste ano, segundo cálculos da Comissão de Assuntos Econômicos para a América Latina e o Caribe (Cepal), está apenas no começo. E vários fatores podem explicá-la. Há um movimento especulativo nos mercados financeiros puxando para cima os preços das commodities agrícolas (soja, trigo e milho, principalmente). Com o significativo crescimento mundial nos últimos anos, milhões de pessoas ingressaram no mercado de consumo, sobretudo na China e na Índia. Por conta do aquecimento global, muitas áreas produtivas foram arrasadas pela seca ou destruídas por chuvas intensas. Para completar, países como os Estados Unidos passaram a usar grãos na fabricação de biocombustíveis (etanol). "Vamos ver muito sofrimento pela frente", disse Elson Teles, economista-chefe da Concórdia Corretora. Na opinião de Fernando Ribeiro, economista da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), em meio ao caos que assusta o mundo, as restrições às exportações poderão desestimular os investimentos na produção de alimentos. É o que já está se vendo na Argentina, onde os agricultores gritaram contra a taxação nas vendas externas de soja, milho, trigo e carne. "E sem novos investimentos não há como garantir mais comida à disposição dos consumidores", frisou. Ele ressaltou ainda que, ao imporem restrições ao comércio internacional, os países que adotam tais medidas transferem inflação para outros. "Ao proibir o embarque de trigo para o Brasil, a Argentina está fazendo tal transferência", alertou. Indagada sobre o tema, a economista-chefe do Banco Real, Zeina Latif, foi taxativa: "Não haverá alívio tão cedo no bolso da população mundial. Os preços dos alimentos continuarão subindo a taxas aceleradas. E a inflação mais alta exigirá juros elevados para conter uma disseminação de reajustes nos demais produtos", avisou. IPCS sobe na semana Da Redação Pela sétima semana consecutiva, o Índice de Preços ao Consumidor - Semanal (IPC-S) registrou elevação puxada, principalmente, pelo alto custo dos alimentos. Na semana passada, o indicador subiu 0,81%, ficando bem acima do 0,76% apurado no período anterior. Segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV), o grupo de alimentos saltou de 1,70% para 1,92% entre os dias 15 e 22 deste mês. As principais contribuições para o aumento vieram das frutas (4,36% para 5,08%), massas e farinhas (1% para 1,64%), panificados e biscoitos (4,11% para 5,01%) e carnes bovinas (-0,57% para 0,52%). No mesmo período, quatro dos sete grupos pesquisados apresentaram ampliações mais intensas nos preços. Além de alimentação, esse comportamento foi verificado em vestuário (de 0,57% para 0,90%); saúde e cuidados pessoais (de 0,32% para 0,51%); e despesas diversas (de 0,11% para 0,15%). Por outro lado, contribuíram para que o IPC-S não tivesse uma elevação ainda maior, o fato de o custo no grupo de habitação ter recuado de 0,44% para 0,35%. Já o de educação, leitura e recreação cedeu de 0,40% para 0,19% e o de transportes, de 0,39% para 0,37%.