Safra - Estado perde R$ 1 bilhão por ineficiência na colheita e e na pós-colheita
Data:
28/04/2008
A prática da agricultura moderna vem sempre atrelada à utilização de tecnologia de ponta no campo. No entanto, em plena era da superprodutividade e de alternativas de última geração em insumos, máquinas e equipamentos, uma praga em especial costuma tirar o sossego dos produtores: as perdas na colheita e pós-colheita. Conforme levantamento da Embrapa Soja, com sede em Londrina (PR), a fase de colheita apresenta índices de perdas praticamente inalteráveis desde o ano de 1927. Estudos recentes com as principais culturas apontam o milho como o grão mais desperdiçado no País, com perdas de até 10%, sendo que 4% se referem à colheita, 5% ao armazenamento e 1% ao transporte. Estima-se que no Brasil há setores do agronegócio que chegam a perder até 80% do que produzem. Diagnóstico elaborado pelo Ministério da Agricultura e do Abastecimento revelou que as perdas decorrentes das diversas etapas dos processos produtivos e de comercialização chegam ao montante de US$ 2,34 bilhões, considerando-se apenas grãos como o arroz, o feijão, o milho, a soja, o trigo e os hortigranjeiros. Os prejuízos para a economia nacional estão na ponta do lápis. Levando-se em conta que o Produto Interno Bruto (PIB) agrícola alcança um valor aproximado de US$ 30 bilhões, o rombo chega a 8% do total das riquezas produzidas pelo campo. No Rio Grande do Sul as perdas durante o processo de colheita chegam a gerar prejuízos da ordem de R$ 370 milhões, envolvendo as lavouras de arroz, feijão, soja, milho e trigo, totalizando 665 mil toneladas de grãos que deixam de ser negociados por ano. No pós-colheita, o "caos é total", avalia o pesquisador e professor do setor de Mecanização Agrícola, vinculado ao departamento de solos da Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Renato Levien. Segundo ele, nas etapas de transporte e armazenagem as perdas chegam a R$ 608 milhões. "O Rio Grande do Sul cerca de R$ 1 bilhão por ano em colheita e pós-colheita", afirma. Para se ter uma idéia do que isso significa, ele exemplifica. "Com esse dinheiro é possível comprar 2 mil colheitadeiras e 6 mil tratores novos." Mas não apenas os aspectos econômicos diretamente relacionados à produção são importantes. É necessário considerar que as perdas de alimentos influenciam a sua oferta na proporção dos desperdícios, com impactos sobre seus preços e, diretamente, sobre a renda do consumidor. Em termos de Brasil, o milho é considerado a cultura mais sensível. Por falta de regulagem adequada da colheitadeira, as perdas qualitativas são grandes e acabam por aparecer no armazenamento sob a forma de grãos ardidos ou fungados que necessitam ser descartados para qualquer tipo de comercialização. No caso do trigo, cerca de 7% não chegam ao destino final, com quebra de 3% na colheita, 3% no armazenamento e 1% no transporte. A commodity número um do País, a soja, aparece como a menos prejudicada: cerca de 6% da oleaginosa produzida no País não chegam aos consumidores. A proporção é de cerca de 1% na colheita, 4% no armazenamento e 1% no transporte. Para citar um exemplo, na safra 2000/2001, as perdas médias de grãos durante a colheita de soja ficaram na faixa de duas sacas por hectare, proporcionando prejuízos superiores a R$ 570 milhões, quando o padrão norte-americano considera razoável um volume de até uma saca por hectare. Máquinas mal reguladas contribuem para o desperdício As perdas de grãos decorrentes da colheita mecanizada são de toda ordem. Ocorrem principalmente nos mecanismos de captação (molinete e plataforma), nos de trilha (cilindro e côncavo) e nos de limpeza (saca-palhas, peneiras e ventilação). No caso do trigo, por ser uma cultura de fácil manejo, normalmente colhido próximo ao ponto ideal, geralmente todos os mecanismos da máquina trabalham de maneira adequada. Nos últimos levantamentos realizados pela Embrapa Trigo, esse índice de perdas estava abaixo de 3%. "Na soja, a história é outra. Dependendo das condições climáticas e da lavoura, pode ocorrer uma oscilação nos resultados da colheita", afirma o pesquisador da Embrapa Trigo, José Antonio Portella. Se a oleaginosa for colhida seca, quase não apresentará perdas. Entretanto, se ocorrerem chuvas durante o período de colheita, todo o cuidado deve ser dado para a regulagem, principalmente do cilindro-côncavo, sistema onde estão concentrados os maiores índices de perdas na colheita. O pesquisador explica que o milho tem uma situação muito especial e que normalmente não é bem avaliada por quem planta. Perde-se muito pouco de grão na colheita, mas o mesmo não acontece em espigas. Numa armação de 25 metros quadrados, cada espiga perdida significa um saco por hectare. As principais regulagens a serem feitas nas máquinas estão relacionadas aos mecanismos de trilha e de separação e limpeza. O grande gargalo ocorre quando o produtor não faz a regulagem à medida que a safra avança ou sempre que a condição climática muda. Trabalhos realizados na Embrapa Trigo em lavouras de milho e trigo com diferentes níveis de umidades de colheita, constataram que as perdas são significativas pela falta de adequação da máquina ao teor de umidade do grão. Pior que as perdas quantitativas (visíveis) são as qualitativas (grãos amassados e quebrados) que raramente são compatibilizadas pelo produtor no momento da colheita, mas que na hora da entrega na cooperativa são classificadas como refugo e descontadas do peso final a ser pago ao produtor. Em milho elas são ainda mais prejudiciais em função do risco de contaminação por fungos e toxinas (grãos ardidos) que, muitas vezes, levam ao refugo de uma carga inteira de caminhão. Conforme o pesquisador da Embrapa Soja Nilton Pereira da Costa, no fase de colheita os maiores inimigos são a má regulagem das máquinas, velocidade de corte incorreta, a utilização de máquinas alugadas - muitas vezes inaptas para o serviço -, a falta de treinamentos dos operadores e o manejo deficiente das lavouras. "Trabalhos conduzidos pela Embrapa Soja e pela Emater do Paraná indicam que mais de 80% das perdas são atribuídas ao mau funcionamento da plataforma de corte das máquinas e da inadequação da velocidade de avanço com relação à velocidade do molinete, 13% podem ser atribuídas à falta de ajustes dos mecanismos internos da colheitadeira e 3% à debulha natural das vagens de soja", relata Costa. Pragas são os inimigos na etapa de armazenagem Na armazenagem, as maiores desfalques se dão por ataque de pragas, fungos e toxinas. Para diminuir esse problema, o presidente da Associação Brasileira de Pós-Colheita (Abrapos), Irineu Lorini, aponta como prerrogativa a limpeza dos armazéns. "Se o local trabalha com higiene, não haverá pragas. Sem elas não há desenvolvimento de fungos e toxinas", afirma. Ele destaca a importância do treinamento do pessoal encarregado pelo trabalho nas unidades de estocagem. "Desenvolvemos na Embrapa Trigo um trabalho de tolerância zero para pragas. Mostramos cada tipo de inseto e como se faz para higienizar o local", relata. Nesse ponto também é fundamental o papel da secagem dos grãos, quando necessária. Grãos secos muito rapidamente tendem a sofrer danos fisiológicos que irão se transformar em trincas ou rachaduras e que, no final, serão perdidos. Segundo Lorini, o País conta com uma capacidade estática de 126 milhões de toneladas e desse total, apenas 50% têm boas condições para armazenar. O restante das unidades não guarda bem o produto, por problemas de aeração, termometria e limpeza. O presidente da Abrapos salientou a importância da Instrução Normativa 33, com validade a partir de janeiro de 2009, que determina a certificação das unidades armazenadoras. "Para operar, todas, sejam públicas ou privadas, deverão ser certificadas. Isso deve melhorar a qualidade", acredita. No entanto, os problemas na armazenagem não ocorrem apenas fora das propriedades. O professor da Ufrgs, Renato Levien, diz que o processo para evitar perdas deve começar quando o grão ainda está na lavoura. "Se algum fator impede a colheita em tempo hábil, o grão fica mais tempo no campo, de certa forma estocado, e precisa de cuidados", diz. Conforme levantamento da Conab, as perdas na estocagem são acarretadas por fatores como a utilização de estruturas de armazenagem inadequadas para a conservação dos produtos agrícolas, manutenção incorreta dos equipamentos e das estruturas usadas nas unidades, operação inadequada dos equipamentos de recepção, limpeza e secagem, além de armazenagem dos produtos com teores de umidade e teores de impurezas acima dos recomendados.