Pela primeira vez, grandes produtores de café e milho do Sul de Minas apostaram no cultivo de soja como alternativa de bons lucros no futuro. Impulsionados por fabricantes de alimentos, que, a partir de agosto do ano passado, forneceram sementes, com garantia de compra da produção, quatro fazendeiros jogaram para o alto a tradição e decidiram enfrentar as deficiências de clima e solo para investir na soja. A primeira colheita já começou, e os primeiros testes mostram que o grão se comportou bem às características da região. Soja bem comportada Sem tradição no cultivo do grão, agricultores do Sul de Minas colhem frutos de experiência bem-sucedida Muito comum no Mato Grosso, Paraná, Rio Grande do Sul, Triângulo Mineiro, o cultivo da soja agora também pode se transformar em vocação no Sul de Minas. Diante da necessidade de empresas que usam o grão na fabricação de alimentos, o cultivo da planta tem sido incentivado nas terras produtoras de café. A experiência começou em agosto do ano passado, com o fornecimento de sementes especiais pela iniciativa privada a quatro produtores de Pouso Alegre, São Gonçalo do Sapucaí, Turvolândia e Iguatama, no Centro-Oeste. A potencialidade do setor e os bons preços pagos pela soja no mercado animaram os produtores a plantarem a soja. É a primeira vez que grandes agricultores de café e milho da região apostam no cultivo do grão como experimento e alternativa futura de bons lucros. A expectativa é de que sejam colhidos 80 hectares de soja nas quatro fazendas. Há um ano, a Yoki instalou fábrica em Pouso Alegre e, atualmente, adquire a soja produzida no Paraná para a elaboração de alimentos à base deste grão. Em caráter experimental, a indústria resolveu fazer testes e investir na geração do grão próximo à unidade, com objetivo de diminuir custos com logística. Segundo o diretor da unidade, Dino Francescato, a empresa compra sementes tipo Embrapa 48 e BT257, do Paraná, específicas para a produção de alimentos como sucos e leites de soja. "Procuramos grandes produtores de milho e café da região e eles aceitaram a proposta de plantar o grão especial", diz. Francescato explica que o Sul de Minas não tem a tradição de produzir soja, mas, mesmo assim, a empresa resolveu apostar na viabilidade da produção e na adaptação de uma região de solo e clima diferentes das maiores áreas produtoras do país. "Queremos diminuir as distâncias e, sobretudo, o frete dos grãos. Recebemos a primeira produção da soja sul-mineira há duas semanas e, a partir de agora, vamos realizar testes. Aparentemente, os grãos são de boa qualidade. Daqui a um mês vamos ter a avaliação da produtividade e, se for positiva, pretendemos investir na produção local", afirma. O engenheiro agrônomo e fazendeiro de São Gonçalo do Sapucaí, Geraldo Pereira de Alvarenga, aproveitou a área de colheita de milho para plantar 20 hectares de soja. A lavoura formou-se há aproximadamente 120 dias, e a colheita já está na fase final. "Pela topografia e clima da região, até agora pensou-se que seria muito difícil plantar esse tipo de cultura. No entanto, pelos testes realizados, as variedades plantadas se comportaram muito bem às condições do clima", afirmou Alavarenga. Na opinião do produtor, a grande vantagem de se plantar soja é a diversificação de culturas. "Os produtores de Minas vão tem mais uma opção de plantio, o que reduz o risco de concentrar a plantação em somente um tipo de lavoura, além de contribuir para a rotação de culturas, essencial para a preservação da qualidade do solo e para a manutenção do controle biológico", afirmou. Carlos Eduardo Moreira de Magalhães cultiva milho, café e tem criações de gado, na Fazenda Boa Vista, em Pouso Alegre. Ele conta que há alguns anos tem procurado informações sobre as sementes da soja comercial usadas na produção de ração e óleos, mas que a proposta da empresa de alimentos, o fez apostar na soja in natura. "A soja surgiu no Sul de Minas como proposta de rotação da cultura do milho e funciona como uma diversificação de renda. A produção do grão contribui para quebra do ciclo das pragas e doenças que possam surgir com o cultivo direto do milho e funciona como um fertilizante natural", explica. Diante da potencialidade do alimento e dos bons preços do mercado, Magalhães afirma que pretende aumentar a produção do grão em sua fazenda. "A Yoki ofereceu o preço de mercado pelos 20 hectares de soja que foram colhidos na última semana e mais 10% do valor. No próximo cultivo devo aumentar a área plantada de 20 para 120 hectares de soja", diz. Gigante O Brasil é o segundo maior produtor mundial de soja, atrás dos Estados Unidos. A produtividade média da soja brasileira é de 2,82 toneladas por hectare, chegando a alcançar cerca de 3 toneladas em Mato Grosso, principal área no país para o grão. Dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior mostram que a soja tem importante participação nas exportações brasileiras. Em 2006, foram US$ 9,3 bilhões, o que representou 6,77% do total embarcado. Rentável até em áreas menores Pesquisas mostram aos que apostam no milho que vale a pena investir na soja, para fazer a rotação A presença da soja em regiões de Minas Gerais com pouca tradição no cultivo do grão começou a ganhar força nos últimos anos, devido a pesquisas e experiências feitas em cidades como Formiga e Piumhi (ambas no Centro-Oeste), Capitólio (Sul) e São João del-Rei (Central). Os trabalhos de adaptação da soja ao clima, na realidade, não é novo e empresas de pesquisa como a Embrapa tem há algum tempo variedades resistentes e bem aclimatadas para área mais úmidas. O que mudou recentemente foram os trabalhos de treinamento e incentivo de plantio da cultura entre pequenos e médios produtores mineiros. O foco principal, segundo o pesquisador Neylson Arantes, da Embrapa Soja, é mostrar aos agricultores de milho que a soja pode ser bastante rentável até mesmo em áreas menores. "Já fizemos testes de observações no Sul de Minas e o que ocorre é que temos variedades com ampla adaptação e informações mostrando há condições de sucesso grande até mesmo fora da região tradicional", comenta Arantes. O pesquisador percorreu cidades mineiras, acompanhando plantações comerciais e áreas de teste, e tem recomendado a soja como alternativa aos prejuízos causados pela monocultura prolongada de milho. "É importante ter a soja para fazer rotação e quebrar o ciclo de pragas e doenças, o que aumenta as futuras safras do grão", afirma Arantes. Segundo o pesquisador, além de conferir renda extra, a técnica vai reduzir queixas de queda na produção de milho em plantações que ocorrem em anos consecutivos. As montanhas do Sul de Minas são apontadas como um dos obstáculos à expansão da soja. Diferentemente da colheita de milho, que pode ser feita manualmente, a soja precisa de máquinas agrícolas. O sucesso das grandes lavouras no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba é justamente o relevo plano por longos quilômetros, o que facilita a passagem dos equipamentos. "Próximo a São João del-Rei existem áreas de soja que estão usando colheitadeiras de milho com bocal adaptado para soja com sucesso. Os pequenos e médios agricultores de cooperativas podem reduzir o custo do processo dessa forma", explica Arantes. Com relação à rentabilidade, os dois grãos caminham juntos. O milho rende mais por hectare plantado, enquanto o preço da soja normalmente é mais elevado. Ambos são componentes importantes para diversos setores industriais do agronegócio e, por isso, os agricultores tendem a ter duas culturas valorizadas por safra. "O crescimento da soja no interior de Minas, fora das grandes áreas produtoras do Triângulo e Alto Paranaíba, só não tem sido maior por causa da opção dos próprios agricultores de continuar com o tradicional. Mas com o acesso a mais informações temos mostrado que a rotação é um bom negócio", diz o pesquisador da Embrapa. Aventura em cenário positivo Os ousados produtores do Sul de Minas que estão usando soja no lugar de milho têm como principal motivação o bom momento de preços do grão no exterior. Para o assessor-técnico da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg), Pierre Santos Vilela, essas "aventuras" surgem nos períodos de valorização das commodities. Depois de amargarem trágicos períodos de baixa remuneração nos últimos três anos, quando a crise agrícola levou à falência muitos sojicultores no Brasil, os agricultores recebem atualmente entre 30% e 40% a mais por cada saca de soja, na comparação com igual período de 2007. "O Sul de Minas está se aventurando, o que somente é possível economicamente em áreas menores e com pouca mecanização quando os preços estão altos", diz Vilela. As condições climáticas para a safra nacional de soja que começou a ser colhida são boas, o que vai garantir maior produtividade. A área plantada subiu 2,7% no país, ao passar de 20,5 milhões de hectares em 2007 para 21,15 milhões este ano, enquanto a produção vai subir 5,6%. Mesmo em plena época de colheita, quando há maior oferta de grãos no mercado, os preços em Minas estão num patamar bem maior do que no mesmo período de 2007. "Este mês, a saca (de 60kg) está avaliada em R$ 44, enquanto em abril do ano passado ela custava R$ 28. Esse fato é curioso, porque ocorre no pico da safra", comenta o técnico da Faemg. Apesar de o mercado de soja estar com ótima perspectiva este ano no Brasil, os lucros dos produtores vão ser reduzidos por causa do aumento do custo de insumos. O preço de inseticidas, herbicidas e adubos em geral subiu de 15% a 20% em relação à safra anterior, segundo estimativas da Faemg. "São produtos com matéria-prima importada e de setores que também sofreram quando a agricultura nacional estava em baixa. Como o câmbio está favorável, o que ocorre é recuperação de margem de lucro", afirma Vilela.