Problema recorrente na agricultura brasileira, a falta de armazéns ganha tons mais densos em um ano de safra recorde, como o atual. O Brasil deve colher 142,1 milhões de toneladas de grãos na safra 2007/08, de acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). A capacidade total de estocagem do país é de 123,7 milhões de toneladas, segundo os dados apurados pela Conab até abril. Vai faltar armazém. Feitas as contas de cada Estado separadamente, Goiás surge como um dos únicos, entre os líderes na colheita de grãos, com capacidade superior à produção prevista. São 12,9 milhões de toneladas de capacidade para uma produção prevista de 12,5 milhões. Santa Catarina, com produção estimada de 6,7 milhões de toneladas na safra 2007/08, tem armazéns que somam capacidade de 3,9 milhões, ou apenas 58% da colheita esperada. A leitura fracionada dos dados de cada Estado mostra nuances ainda mais preocupantes, segundo técnicos do setor. "Tem mais armazém em Cuiabá que na região de produção ao longo da BR-163", diz Rosemeire dos Santos, assessora técnica de cereais, fibras e oleaginosas da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Feita separadamente, a análise de cada Estado mostra que, tanto quanto um "problema bom", ocasionado pelo aumento da produção de grãos, a falta de armazéns é também estrutural. "No governo militar, para garantir o abastecimento, houve incentivo para a construção de armazéns perto de grandes centros consumidores. É por isso que, mesmo que o país tenha capacidade inferior à produção, em algumas regiões existe ociosidade", diz Rosemeire. É o caso de São Paulo. O Estado deve colher 6,5 milhões de toneladas de grãos, e sua capacidade é de 11,7 milhões de toneladas. "Isso ocorreu também por causa da cana. Boa parte [dos armazéns] está próxima de áreas que já foram de grãos", afirma Sílvio Porto, diretor de logística e gestão empresarial da Conab. A capacidade de estocagem, que corresponde a 87% da produção da safra 2007/08, inclui os 120 armazéns da Conab. Porto avalia que, mesmo com a defasagem, o Brasil está "relativamente bem", já que, com a sazonalidade das culturas, os armazéns não são ocupados simultaneamente. "Mas uma relação de 1,2 seria a ideal", afirma. Para atingir essa relação, seriam necessárias ao menos 45 milhões de toneladas adicionais. A um custo médio de R$ 200 por tonelada, o investimento em novos armazéns alcançaria R$ 9 bilhões. Mais danoso que o Brasil ter menos capacidade de estocagem do que o que produz é o fato de apenas uma pequena parcela dos armazéns estar nas mãos dos produtores. Em 2002, só 8% da capacidade correspondia aos armazéns localizados em fazendas. A fatia ampliou-se desde então, diz Porto, e atingiu 15%. "O produtor fica dependente das tradings", afirma. Em países como Estados Unidos e Canadá, ao menos 90% da capacidade total de estocagem está localizada nas próprias fazendas. O ano-safra encaminha-se para seu encerramento, mas isso não significa alívio nos armazéns. No Mato Grosso, por exemplo, a colheita do milho safrinha ainda não começou. Como, em virtude das chuvas, a colheita da soja atrasou - e como a área dedicada ao milho safrinha cresceu, acompanhada por um esperado aumento de produtividade da cultura -, a disputa por armazéns se acentua. "A situação deve apertar nos próximos 30 dias, quando o milho safrinha entrar", diz o produtor Nadir Sucolotti, de Sorriso. "A liquidez da soja é maior, mas ainda tem muita soja estocada. Isso vai ser mais prejuízo". A armazenagem corresponde a 10% do preço final do milho. Com a capacidade limitada, o custo deve subir. Em algumas regiões, dissemina-se o uso de um artefato conhecido como "silo bag", mas sua adoção é limitada, entre outros motivos, porque não é possível fazer a secagem de grãos com o equipamento. Em situações extremas, como se faz a estocagem? "Em alguns locais, quando falta armazém, o pessoal faz um buraco no chão, forra com uma lona preta, joga o grão e reza pra não chover", conta Rosemeire dos Santos, da CNA.