Vinho - Estoque grande e importados reduzem preço de vinho nacional
Data:
04/06/2008
A combinação entre a expansão das safras de uvas viníferas e o crescimento ininterrupto das importações, que ocupa espaços abertos pelo aumento do consumo doméstico, faz transbordar os estoques das vinícolas brasileiras. Já são 100 milhões de litros de vinhos finos acumulados nas empresas, o equivalente a cinco anos de vendas, e elas começam a reduzir preços, margens e compra de matéria-prima para conter os prejuízos. O presidente da câmara setorial da uva e do vinho, Hermes Zaneti, diz que 40% dos estoques são considerados excedentes porque ultrapassam o período de vendas de três anos. No fim de 2005, o estoque chegava perto de 73 milhões de litros e desde lá a situação só piorou para as vinícolas. O problema ocorre principalmente com os vinhos tintos e, segundo Zaneti, muitas empresas estão ficando descapitalizadas. O executivo, também diretor superintendente da Cooperativa Vinícola Aurora, de Bento Gonçalves (RS), diz que o país precisa "disciplinar" as importações e combater o contrabando com maior eficácia. Ele defende a revisão do acordo comercial com o Chile que reduz gradativamente o imposto de importação para seu vinho, até eliminar a alíquota no fim de 2010. Os chilenos são os maiores exportadores de vinho ao Brasil, com fatia de 32,7% das importações e de 24% no mercado doméstico, em 2007. O leilão de 27 milhões de litros que deve ser marcado pela Companhia Nacional do Abastecimento (CONAB) ainda no início deste mês (para escoamento dos estoques e elaboração de destilado de vinho para a correção do grau glucométrico dos produtos da próxima safra) ajuda, mas não vai resolver o problema. O secretário de comércio exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), Welber Barral, diz que a redução gradativa do imposto de importação sobre o vinho chileno vigora desde 2006 como parte do acordo de complementação econômica 35, de 1996. Hoje a alíquota está em 13,5% (metade da tarifa cheia de 27%), mas o problema principal enfrentado pelo setor é a valorização do real, entende o secretário. O Brasil, disse, negociando com o Chile medidas para compensar o efeito cambial, como a redução voluntário, por parte dos chilenos, da exportação de vinhos mais baratos (na faixa de R$ 12), e acordos empresariais como a formação de joint-ventures ou a transferência de tecnologia para aproveitamento conjunto do potencial de expansão da demanda. O próximo encontro da comissão bilateral ocorre neste mês. A situação das vinícolas, acrescenta Zaneti, foi agravada depois que o governo de São Paulo decidiu adotar o regime de substituição tributária sobre o setor. Com a medida, o ICMS deve ser recolhido já na saída da indústria, o que leva o varejo a reduzir os volumes adquiridos a cada encomenda para empatar menos capital de giro e, em conseqüência, também ajuda a aumentar os estoques nas vinícolas. "São Paulo representa quase 30% do mercado brasileiro", diz. Vinho chileno tem 24% do mercado e terá tarifa alfandegária zerada até 2010 - Brasil negocia restrição voluntária Mas o maior impacto é dos importados, favorecidos pelo câmbio. Em 2007, 57,6 milhões dos 78 milhões de litros de vinhos finos consumidos vieram do exterior - uma fatia de 73,3%. Em 2006 a participação havia sido de 67,4% sobre uma demanda total de 68,8 milhões e no primeiro quadrimestre deste ano ela subiu para 78,6% de 14,1 milhões de litros. Chile e Argentina respondem hoje por praticamente 60% dos produtos importados, segundo a União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra). Ao mesmo tempo, a safra de uvas viníferas no Rio Grande do Sul, responsável por 90% da produção nacional, cresceu 27,5% em 2007, para 72,2 mil toneladas, depois de uma queda de 20% em 2006, e atingiu o melhor desempenho desde 2000. Em 2008, segundo Zaneti, a estimativa é que o volume tenha alcançado o recorde de 80 mil toneladas. Com o excesso de estoques e de oferta de matéria-prima, o preço da variedade cabernet sauvignon, por exemplo, ficou estável este ano em torno de R$ 0,85 o quilo, mas 37,5% da safra de viníferas foi vendida como uva comum, na faixa de R$ 0,46. Com uma produção estimada de 2,7 milhões de litros de vinhos tintos finos neste ano e um estoque acumulado de 7 milhões de litros, a Salton decidiu partir para uma política comercial "agressiva" desde o fim de 2007, diz o diretor comercial Daniel Salton. Desde então, os preços do vinho Classic, um dos tintos mais vendidos pela empresa, já caíram cerca de 30% e hoje estão em R$ 10 a garrafa, no varejo. "O problema é a importação de vinhos baratos, na faixa de R$ 8 a R$ 15 a garrafa, que concentra os grandes volumes de vendas", diz. No total a Salton deve produzir 8 milhões de litros de vinhos finos neste ano, mas a vinícola não carrega excesso de estoques de brancos porque a maior parte deles é utilizada na elaboração de espumantes - neste segmento as marcas nacionais ainda têm uma grande vantagem sobre as importadas. Neste caso, graças à boa qualidade aliada a preços mais atrativos, o espumante brasileiro dominou 72,5% do mercado doméstico de 11,8 milhões de litros em 2007 e 66,2% da demanda de 1,8 milhão de litros no primeiro quadrimestre deste ano. Com o aperto no caixa, a empresa segurou planos de investimento. Em 2007 quase nada foi gasto, diz Salton, e neste ano, em vez das seis autoclaves (equipamentos para a produção de espumantes) necessárias, serão compradas quatro, no valor de R$ 1,2 milhão. A Salton tem vinho elaborado em quantidade suficiente para suspender a aquisição de uvas merlot e cabernet sauvignon (tintas) em 2009, mas pretende manter as compras para não afetar parte das 550 famílias que lhe fornecem matéria-prima todos os anos, diz o diretor. Na Vinícola Perini, de Farroupilha (RS), a sobra recorde de 500 mil litros da safra anterior obrigou a empresa a reduzir o processamento de uvas viníferas em 20% neste ano, para 4 mil toneladas, volume necessário para elaborar 3 milhões de litros de vinhos, diz o presidente Benildo Perini. De acordo com ele, a produção própria aumentou de 300 mil para 600 mil quilos, enquanto a recepção de matérias-prima de fornecedores caiu 28%, para 3,4 mil toneladas. "Para 2009 ainda não é possível fazer previsões", afirma o empresário.