Registro - Produtores agrícolas decidem suspender o locaute na Argentina
Data:
09/06/2008
Os dirigentes das principais entidades do setor agropecuário da Argentina ratificaram, ontem, a decisão de levantar, a partir da meia-noite deste domingo, o locaute na comercialização de grãos destinados à exportação. Hugo Biolcati, vice-presidente da poderosa Sociedade Rural Argentina (SRA), confirmou à imprensa que os produtores retomariam a venda de grão para o mercado externo a partir de zero hora de hoje, tal como haviam decidido na última sexta-feira as principais associações dos produtores agropecuários. Em declarações feitas ontem à Rádio 10 de Buenos Aires, Biolcati se disse confiante de que a tensão diminuirá nas estradas, onde milhares de agricultores, em piquetes, ainda controlavam o cumprimento da paralisação. "Os produtores que estão às margens das rodovias lentamente desmobilizarão os bloqueios", disse ele. A situação nos piquetes de produtores agropecuários havia se agravado nos últimos dias porque empresários do transporte decidiram estender o bloqueio a caminhões com qualquer tipo de carga, porque se consideraram prejudicados pela greve agrária. Um episódio de violência ocorreu na madrugada de sábado às portas da cidade de Roque Pérez (130 km a sudoeste de Buenos Aires), onde um caminhoneiro que apoiava o "campo" foi ferido a golpe de arma branca. Na província de Chaco (nordeste), no entanto, desconhecidos explodiram uma camioneta de um produtor rural que participava de una assembléia com agricultores, enquanto em outras estradas houve pancadarias sem utilização de armas. Em alguns piquetes de produtores que não se filiam às entidades de classe, estes anteciparam que não abandonarão a medida de força porque não têm garantias de que o governo abrirá negociações. O locaute agrário, de quase 90 dias, se iniciou em repúdio à imposição, pelo governo, de um sistema escalonado de impostos incidentes sobre as exportações do setor agropecuário, calculadas em US$ 35 bilhões num país que é forte fornecedor mundial de alimentos. Para complicar o quadro, o conflito agrário na Argentina já começou a afetar o abastecimento de leite, carnes, verduras e combustíveis, por causa da greve de transportadores que enfrentam, às vezes com violência, os agricultores na rebelião fiscal. Empresas de transporte de cargas bloquearam dezenas de rotas da rica Pampa Húmeda, região central do país, para pedir o fim dos protestos contra a alta dos impostos sobre exportação de grãos. As transportadoras de todos os setores da economia vinham pedindo o fim dos protestos dos agricultores, afirmando que sofrem graves perdas com a paralisação do comércio interno de grãos destinados à exportação. "As empresas de laticínios sofrem sérias dificuldades e o abastecimento normal será afetado", informou o Centro da Indústria Leiteira. A cooperativa Sancor, uma das mais poderosas do setor lácteo, afirmou que havia "500 mil litros de leite parados nos piquetes", sexta-feira, enquanto em Córdoba os caminhões foram forçados a derramar o leite nas estradas. "A falta de leite começou a ser sentida no final de semana", disse Sergio Montiel, porta-voz da cooperativa, que abriga milhares de pequenos produtores. A situação se agravou na sexta-feira, quando os agricultores de Gualeguaychú bloquearam a rota 14, chamada de Mercosul, que liga o país ao Paraguai e ao Brasil. A Argentina é o maior exportador mundial de óleo e farinhas de soja, o terceiro exportador de soja em grão, segundo de milho e quinto de trigo - mas o comércio externo de grãos foi prejudicado pela falta de estoque nos portos, devido à greve dos transportadores. A empresa petrolífera espanhola Repsol-YPF e a distribuidora de gás Camuzzi informaram na sexta-feira que tiveram seus centros de distribuição de combustíveis bloqueados, interrompendo o fornecimento de gasolina e gás liqüefeito. "Não está chegando nafta nem gasoil. Estamos caminhando para o desabastecimento total", disse o presidente da Federação de Empresários de Combustíveis da província de Buenos Aires. Outra frente de tensão foi aberta no Mercado Central de Frutas e Verduras, com queda de 40% nas operações, segundo uma fonte da companhia administradora. "Estão faltando produtos lácteos, carnes e verduras. Os produtos de primeira linha não chegaram sexta-feira nas gôndolas por causa do bloqueios de 60 estradas", informou a Câmara de Supermercados Chinos, uma das redes de varejo mais populares. Drástica foi também a redução da entrada de bovinos no estratégico Mercado de Fazenda, em um país onde o consumo anual de carnes supera os 70 quilos por pessoa. O conflito começou quando o governo aplicou impostos flutuantes sobre os produtos exportados, que para a cobiçada soja aumentaram de 35% para 41% e podem crescer mais se os preços internacionais continuarem subindo. A colheita da soja está estimada em US$ 24 bilhões, dos quais o governo tenta arrecadar perto de US$ 11 bilhões por meio dos tributos. Os grevistas contaram com o apoio de líderes da oposição liberal, direitistas e de setores da esquerda mais radicalizada contra o governo da presidente Cristina Kirchner. O conflito e a ameaça que pende sobre as exportações argentinas sustentou a alta dos preços do produto na bolsa de Chicago.