Fundamentais para permitir o aumento do plantio de soja pelos grandes produtores brasileiros na safra 2007/08, as vendas antecipadas para as grandes tradings, desta vez do grão que será colhido na próxima temporada (2008/09), estão praticamente paralisadas. Levantamentos de consultorias especializadas mostram que entre o fim de março e o início de abril alguns negócios foram fechados, mas que depois o movimento estancou. O Valor apurou que a paradeira reflete sobretudo a resistência das tradings em repetir a correria do ano passado, que não rendeu os resultados esperados. As tradings dizem que o cenário para os preços futuros do grão suscita incertezas e que estão mais "criteriosas" para fechar as compras antecipadas. Fontes do sistema financeiro ressaltam, porém, que também colabora para esse comportamento a maior dificuldade que as empresas estão enfrentando para obter recursos para financiar as aquisições, dadas as turbulências internacionais. Por normalmente envolver grandes produtores com dificuldades em se enquadrar nos limites de renda dos programas oficiais de crédito rural, as vendas antecipadas são uma das ferramentas de custeio mais importantes, principalmente em Mato Grosso. Flávio França Júnior, analista da Safras&Mercado, calcula que as vendas antecipadas representem, no Estado, de 30% a 40% do custeio do plantio, ante média nacional de 15%. Agricultores mato-grossenses estimam que o crédito rural oficial responda por 20% do custeio no Estado, abaixo dos mais de 30% da média do país. Recursos próprios dos produtores costumam cobrir a diferença. França afirma que há muito pouca movimentação antecipada, mas que, nesse cenário, seu palpite é que elas não tenham ultrapassado 10% das intenções de plantio no país, quase tudo no Mato Grosso. Só que nesta mesma época do ano passado, a fatia já se aproximava de 30% das previsões de colheita para o Estado em 2007/08 - 17,738 milhões de toneladas, conforme dados divulgados ontem pela CONAB (ver mais abaixo). Mas França lembra que o ano passado foi um "ponto fora da curva", com antecipações mais aceleradas do que o normal. Em grande medida, isso aconteceu em virtude de uma situação financeira pouco confortável de muitos agricultores, que com a recente renegociação das dívidas voltaram a ganhar fôlego. Esse quadro mostra que a tímida antecipação pode não atrapalhar a provável expansão do plantio. Segundo analistas, o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) deve mostrar em relatório de hoje estimativa de avanço baseada em um cálculo de expansão de área de 7% no país em 2008/09. "As empresas estão mais criteriosas para fechar vendas antecipadas. Estão mais atentas à gestão de risco. Tanto na troca por insumos quanto na fixação de margens, o negócio tem de ser bom para todos os lados", diz Adalgiso Telles, diretor corporativo da Bunge, maior exportadora do agronegócio brasileiro, com embarques de US$ 3,055 bilhões em 2007, segundo a Secex. Sediada nos EUA, a Bunge costuma originar no Brasil, segundo fontes do mercado, de 12 milhões a 15 milhões de toneladas de soja por safra. Também conforme especialistas, as compras antecipadas cobrem até 40% do volume movimentado pela multinacional no país, mas o percentual varia. Telles confirma que o ritmo de antecipações da Bunge está mais lento que em 2007. Segundo produtores, a companhia deve começar a investir no modelo em julho, como tradicionalmente ocorre. Em 2007, lembram, a múlti começou em abril. Procurada, a Cargill informou que não se manifestaria nesse momento sobre compras antecipadas, exatamente porque deverá fechar sua programação nessa frente em "três ou quatro semanas". Em 2007, a múlti americana também começou mais cedo. A Cargill Agrícola é a terceira maior exportadora do agronegócio brasileiro (perde para Bunge e Sadia), com vendas ao exterior de US$ 1,759 bilhão no ano passado. Também procurada, a ADM, outra americana (que exportou US$ 1,224 bilhão a partir do Brasil em 2007) não respondeu à solicitação. Fontes do segmento afirmam que foi ela a maior responsável pelos poucos negócios antecipados no Mato Grosso há dois meses, mas que agora a companhia pisou no freio. Executivos confirmam que as previsões para os preços internacionais na colheita de 2008/09, no início do ano que vem, são turvas, e que as empresas não querem desperdiçar oportunidades como em 2007/08. Isso porque boa parte das compras antecipadas de 2007 foram fixadas e "hedgeadas" com o grão a US$ 8 ou US$ 9 na bolsa de Chicago. Assim, como os produtores, as empresas deixaram de ganhar dinheiro porque as cotações continuaram a subir com força. Ontem, o bushel da soja para agosto fechou a US$ 14,5375. Com isso, apontam analistas, mesmo o recebimento da soja de 2007/08 vendida antecipadamente hoje corre risco. São a minoria, mas já há casos de rompimento de contratos entre produtores e indústrias e disputas na Justiça. A contínua alta dos fertilizantes também atrapalha as transações antecipadas com base na troca por insumos. Um diretor da área observa que o horizonte de preços nessa frente é complexo, e que as indústrias temem inadimplências. Tantas dúvidas levaram a Agrenco a adiar operações antecipadas. "Estão suspensas por dois meses. Vamos aguardar o desenrolar do mercado e decidir no segundo semestre se retomamos ou não", diz Marcos Modesti, gerente de relações com investidores da empresa, que tem sedes na Europa e no Brasil e cujas exportações brasileiras somaram US$ 515,7 milhões no ano passado. De janeiro a março, a necessidade de capital de giro da empresa ficou próxima de US$ 400 milhões. Os recursos para o financiamento de estoques exigiram R$ 265 milhões e o adiantamento a fornecedores, R$ 86 milhões. Em seu balanço do primeiro trimestre, a Agrenco creditou o aumento de endividamento à necessidade de capital de giro para financiar o recebimento da safra. No período, a relação entre dívida líquida e patrimônio líquido foi de 1,8. No fim do último trimestre de 2007, era de 1,2. "A diferença decorre principalmente da sazonalidade da atividade do grupo, que alcança seu pico de necessidade de capital de giro durante a safra de soja no Brasil", reportou a companhia. Ainda que tenha subido, o índice manteve-se dentro do limite estabelecido pelo conselho de administração (2,5). O acesso ao crédito para financiar o capital de giro está mais restrito, segundo Modesti, o que também levou à interrupção das antecipações. "E isso não é exclusividade da Agrenco. Tem acontecido com todo o setor", disse ele em maio, na divulgação dos resultados trimestrais. Ainda que reflita as turbulências financeiras internacionais, outro motivo para o aumento das restrições de crédito são as reviravoltas enfrentadas pela goiana Selecta. Em uma seqüência mal sucedida de operações de hedge em Chicago, a empresa amargou prejuízo de US$ 160 milhões. A inadimplência que se seguiu levou a companhia a entrar com pedido de recuperação judicial, aceito pela Justiça de Goiás.