Um arroz muito pouco conhecido no Brasil é o arroz vermelho. Considerado uma praga no meio das lavouras, ele está sendo resgatado pela pesquisa para ajudar no melhoramento genético do arroz branco. O arroz é uma planta asiática, teria sido domesticado na China no ano 2800 antes de Cristo. Ainda hoje é um dos alimentos mais importantes na dieta dos chineses. Ele serve principalmente como fonte de energia, mas também tem fibras, vitaminas e minerais. Com mais de um bilhão de habitantes, a China é o maior produtor e também o maior consumidor de arroz do mundo, mas o arroz primitivo não era branco, ele tinha os grãos vermelhos. O arroz branco surgiu de uma mutação genética ocorrida nas plantas de arroz vermelho e acabou prevalecendo. No Brasil o arroz vermelho foi introduzido pelos portugueses logo no início da colonização, mas na segunda metade do século XVIII seu plantio foi proibido pela coroa portuguesa que introduziu o arroz branco no seu lugar. O arroz vermelho e o branco são variedades diferentes da mesma espécie e seus grãos são muito parecidos. Antes do beneficiamento nem dá para distinguir um do outro. A cor vermelha surge com a retirada da casca. Está na película que envolve o grão. Hoje o arroz vermelho continua sendo cultivado em áreas isoladas no centro-oeste, no norte e no nordeste, onde recebe também os nomes de arroz da terra, arroz de Veneza, arroz Maranhão e outros. Fora destas regiões ele é considerado uma praga a ser eliminada das lavouras. É no sertão do estado da Paraíba que se concentra a maior produção de arroz vermelho do Brasil. São ao todo, 5 mil hectares, distribuídos entre os municípios de Itaporanga e Piancó, a mais ou menos 500 quilômetros da capital João Pessoa. No Vale do Piancó quando aparecem os primeiros grãos de arroz vermelho os pássaros surgem em bandos no meio da plantação. Soprando seu apito, seu Nataniel faz de tudo para espantá-los para longe. "Na região este arroz existe há 300 anos porque meu pai morreu com 79 anos. O pai dele morreu com 94 anos e ele já produzia o arroz, o pai de meu avô, meu bisavô", diz ele. Lá as lavouras de arroz vermelho ocupam as várzeas dos rios que são mais úmidas e férteis. A produtividade é baixa, mesmo irrigado não chega a 2 mil quilos por hectare, enquanto o arroz branco pode passar de dez mil quilos por hectare. "O branco é mais produtivo, mas o vermelho é mais tradicional. Além de uma cultura, uma lenda, ele é mais tradicional, mais prático de trabalhar. O sabor, 90% da região acha melhor", diz um produtor. A colheita do arroz vermelho é toda manual. A lavoura do seu José Neto, mais conhecido como Zé de Bola. "Quando eu era solteiro eu tinha um cavalo chamado Bola Preta. Meu avô me apelidou como Zé de Bola. Aí o pessoal pegou Zé de Bola e vai até morrer, pronto", conta. "Eu prefiro esse arroz vermelho pra comer. Eu nasci comendo ele então eu vejo até morrer comendo ele", diz seu José. No Piancó o pessoal ainda preserva o sistema de trabalho em mutirão. Hoje eles estão ajudando o seu José na colheita. Amanhã é a vez dele trabalhar na lavoura de outro companheiro. Pelo costume do mutirão quem fornece a bóia é o dono da lavoura. Em volta do fogãozinho à lenha, dona Francisca, esposa do seu José recebe a turma com uma dupla muito apreciada na região: arroz vermelho com feijão. Para completar, tomate e carne de porco. "No dia a dia o arroz vermelho não pode faltar?", pergunta o repórter. "Não. É de manhã, meio-dia, à noite, foi pra comer é arroz vermelho", diz seu José. Não é a toa que a sala de seu José está lotada de sacos de arroz vermelho. O estoque vai servir para ele e para os filhos casados que moram nas redondezas. Até há bem pouco tempo todos os trabalhos científicos realizados sobre o arroz vermelho visavam sua erradicação, mas pesquisadores da Embrapa que visitam as lavouras do Piancós colhem amostras para iniciar uma pesquisa sobre a cultura. "Para pesquisas em termos de melhoramento do próprio arroz branco, qual é a utilidade que tem o arroz vermelho?", pergunta o repórter. "Ele tem grande utilidade porque esta planta se bem estudada pode ser identificado nela genes de resistência à doença e à praga e principalmente a questão do sabor. Eu vejo no arroz vermelho grande importância para se transferir para o arroz branco a questão do sabor", diz José Almeida, agrônomo da Embrapa. Como se prepara o arroz vermelho? Na região ninguém cozinha este arroz com óleo e sim com leite, água e sal. O nome do prato é arroz de leite. Primeiro despeja-se o arroz em água quente e coloca-se sal a gosto. O cozimento leva 20 minutos, sempre mexendo. Agora é só despejar o leite e deixar o arroz terminar de cozinhar. A primeira coisa que chama a atenção é que o arroz vermelho não fica soltinho como o branco. Tem uma semelhança muito grande com o risoto. Ele fica um pouquinho úmido. "Caracteriza uma relação com o risoto, muito embora nutricionalmente a que se atribui essa característica. "É muito saboroso", diz o repórter. Quem vai nos explicar isso é a engenheira agrônoma Priscila Bassinello, especialista em tecnologia de alimentos. "A gente sabe que o arroz tem como principal componente o amido, que é o carboidrato, então o amido tem duas porções principais que é a amilose e milopectina e no caso do arroz que empapa a gente espera uma amilose baixa. Na minha opinião eu acho que a gente tem que comer o arroz vermelho como ele é e não comparando com o arroz branco, que ele é especial e vale a pena experimentar", diz ela. No laboratório Embrapa de arroz e feijão de Goiânia, a equipe da doutora Priscila analisou as amostras de arroz vermelho colhidos na Paraíba. Ali foi necessário comparar o arroz vermelho com o branco para avaliar suas qualidades nutricionais. "Qual foi a maior surpresa depois das análises?", pergunta o repórter. "Além dos níveis altos de fibras, a gente também observou um destaque para minerais como ferro e zinco, então no caso do ferro, no arroz branco comum, uma média de quatro a cinco miligramas por quilo no arroz cru, chegamos a quase 9 ou até um pouco mais no arroz vermelho. No caso do zinco, de patamares de 20 mg por quilo, chegamos a 26 mg no arroz vermelho. Com certeza ele é uma opção para auxiliar no combate à anemia, por exemplo, por ser uma boa fonte de ferro e consequentemente de zinco", diz ela. Agora os pesquisadores estão empenhados em descobrir novos usos culinários para o arroz vermelho, o que ainda vai levar um certo tempo. Enquanto isso vamos trazer o arroz vermelho de Goiás para São Paulo. Na região dos Jardins, em São Paulo, onde ficam alguns dos melhores restaurantes da cidade, o arroz vermelho vai passar por um teste nas mãos de Alex Atala, um dos chefes de cozinha mais premiados do Brasil. "Eu não tinha trabalhado com ele até então, mas vamos fazer duas receitas. Vamos pegar um caminho intermediário entre o arroz de leite e o risoto italiano e vamos acompanhar este arroz com uma codorna desossada, cozinhada em baixa temperatura com cogumelos e abacaxi", diz ele. Agora é a acompanhar o Alex na preparação do primeiro prato. O caminho escolhido por ele passa pelo preparo tradicional do arroz de leite que foi mostrado. Alex acrescenta duas colheres de requeijão cremoso, mistura bem e dá um toque final com uma colher de manteiga. Enquanto isso, o peito de codorna já está no ponto de ganhar uma viradinha e dar o seu lugar ao caldinho feito com os ossos da codorna, que vai ao fogo misturado com os cogumelos. Uma pitada de sal no arroz de leite, sempre vigiando o peito de codorna que está quase no ponto. Alex vai começar então a montagem do prato com todo carinho. Primeiro o arroz vermelho, depois o peito de codorna em pedaços. O caldinho com cogumelos e para arrematar brotos de beterraba, girassol, nabo e cenoura. Entrou também uma lasquinha de abacaxi. O segundo prato é um aproveitamento do primeiro que sobrou. Ele ficou na geladeira para dar firmeza na hora de fazer estas bolachinhas de arroz, que serão tostadas na manteiga de garrafa. "Enquanto ele tosta eu vou tirar um pedacinho de queijo coalho e colocar do lado também para ir tostando", diz o chef. Está pronto. Agora o queijo coalho e o arroz são regados com mel de engenho. "É uma mistura entre doce e salgado e uma forma de aproveitar melhor aquele restinho de panela", diz o chef. Entram também brotos de ervas como o coentro, a mostarda, o trevo de jardim e flores comestíveis. "Ele fica meio durinho", diz o repórter. "Eu tenho a tendência deixar ele assim. É uma vocação do ingrediente. Como ele é um grão menos polido ele oferece mais resistência a mordida e para ressaltar esta qualidade do grão", diz o chef. "O segundo prato ficou tipo uma rapinha, fundinho de panela e dá pra dizer que é uma sobremesa, praticamente, né?", comenta o repórter. "Não é demasiado doce, nem salgado. Pode ser o que você quiser. Acho que é 100% possível integrá-lo ao cardápio. É uma função nossa, cozinheiros, ajudar o resgate destes patrimônios culturais. A gente não fala somente do ingrediente, fala também da cultura", diz o chef. O trabalho de melhoramento genético do arroz vermelho, com material coletado em várias regiões do país, está sendo feito pela Embrapa meio-norte, que tem sede em Teresina, no Piauí.