A forte valorização do óleo de soja nos primeiros cinco meses deste ano nos mercados internacional e doméstico, superior à alta do farelo, resultou em uma situação rara de se perceber na equação financeira das atividades de esmagamento no Brasil: de janeiro a maio, o óleo apresentou uma rentabilidade capaz de cobrir mais da metade do custo total da operação de processamento, de acordo com levantamento da Tetras Corretora realizado a pedido do Valor. Mesmo sendo o óleo um produto mais nobre que o farelo de soja, o resultado é inusitado porque, a grosso modo, o grão esmagado gera cerca de 20% de óleo e 80% de farelo. A ligação mais estreita com o petróleo e a maior demanda interna para atender às metas oficiais de mistura no combustível convencional, entretanto, transformaram o óleo na prioridade das indústrias durante boa parte do primeiro semestre deste ano. Com isso, aponta Renato Sayeg, sócio-diretor da Tetras, o óleo obteve rentabilidade capaz de pagar 53% da operação de esmagamento no Brasil de janeiro a maio, cabendo ao farelo os 47% restantes. O próprio Sayeg ressalva que se trata de um cálculo médio, carregado de valores estimados e aproximações. Os números variam conforme a empresa, a escala e a localização da esmagadora. Pesquisas semelhantes podem desembocar em resultados diferentes, ainda que na mesma direção. Em suas contas, Sayeg utilizou a média brasileira de soja com o óleo cotado "base São Paulo" com 12% de ICMS. Ele lembra que a mudança do perfil da produção brasileira de soja e derivados nas últimas décadas também dificulta o estudo. Nos anos 1970, por exemplo, a base era o Rio Grande do Sul, que na década seguinte passou a dividir as atenções com o Paraná, que depois viu Goiás crescer no mercado. O Mato Grosso, que hoje puxa a safra do país, emergiu definitivamente na virada do milênio. De qualquer forma, diz Sayeg, de uma maneira geral o óleo não pagava mais da metade do esmagamento por um período longo como nesse início de ano há pelo menos duas décadas. Entre 1980 e 1985, sinaliza o levantamento da Tetras, a vantagem do óleo era grande (63% a 47%), mas de lá para cá o farelo firmou-se como principal responsável pelo pagamento dos custos de processamento, com largo predomínio de 1995 a 2000 (64% a 36%). Os resultados dos intervalos 1980-1985 e 1985-1990 foram obtidos por meio de levantamentos em quatro indústrias que operavam no mercado nacional na época. Segundo o especialista, "o quadro mostra o ganho de importância da proteína vegetal na utilização de ração animal, levando-se em consideração o aumento do consumo de carnes de forma geral, ocasionado pelo ritmo de expansão econômica no mundo, que cresceu enormemente nos últimos 25 anos confiando à indústria o papel de fornecedores de proteína [farelo] em detrimento de energia [óleo]. O movimento pôde ser observado principalmente na década de 1990", diz. Com o papel exercido pela soja na área de agroenergia, o óleo ganhou importância e puxou a indústria nos cinco primeiros meses de 2008, em um movimento que perdeu fôlego em junho - o farelo voltou a predominar - mas que poderá voltar a predominar no fim de 2008. Sayeg não revela os custos do processamento em si, em virtude de contratos de confidencialidade com clientes, mas lembra o que aconteceu recentemente com as cotações. De acordo com a Tetras, o óleo de soja "posto São Paulo" atingiu o pico deste ano, de R$ 2.940 por tonelada, em 15 de abril, mas no fim de junho o preço já havia recuado para R$ 2.600 - ainda 51,2% acima do mesmo período de 2007. Já o farelo, que em 15 de abril estava em R$ 670 por tonelada, seguiu o caminho inverso e encerrou o primeiro semestre acima de R$ 800 (91,4% mais que em junho do ano passado). "Sobretudo no primeiro quadrimestre de 2008, as indústrias rodaram para o óleo, dada a forte demanda e os preços elevados. O que seria feito do farelo ficou em segundo plano. Mas em maio a situação começou a mudar, em grande parte graças à escassez de farelo provocada pelas restrições argentinas às exportações", afirma. É por causa do comportamento da demanda e seus efeitos sobre os preços que Sayeg acredita em que o cenário poderá virar de novo nos próximos meses. César Borges, vice-presidente do conselho de administração da Caramuru Alimentos, uma das maiores processadoras de soja de capital nacional, o quadro não é mesmo definitivo. Ele cita como exemplo a situação do mercado no início de 2007, quando a gripe aviária reduziu as exportações de frango e, em conseqüência, diminuiu o consumo de farelo, ampliando a importância do óleo. "Tudo depende dos custos de momento", afirma. "O óleo acabou "pagando o pato" porque a conta [do esmagamento] tem que fechar". O quadro do momento aponta para consumo firme de óleo por conta da mistura de biodiesel ao combustível convencional, que passou de 2% para 3% no último dia 1º de julho. Esse aumento elevou a demanda nacional por biodiesel de 800 milhões de litros para pelo menos 1,2 bilhão de litros anuais. Não é um fator que necessariamente garantirá a supremacia do óleo no pagamento dos custos de esmagamento, acredita Borges. "A demanda do farelo para abastecer a indústria de frangos, suínos e também de leite tem crescido", diz o executivo. "Isso melhora a competitividade do esmagamento da soja no mercado interno em detrimento da simples exportação do grão, apesar da desvantagem tributária que a indústria brasileira tem em comparação com outros países, como a Argentina", afirma. A projeção da Caramuru é que sua receita alcance US$ 1 bilhão em 2008. No ano passado, foram R$ 1,4 bilhão, ou aproximadamente US$ 900 milhões. A fatia do faturamento da empresa obtido com exportações deverá atingir US$ 450 milhões.