Registro - Voto de vice de Cristina derruba lei de impostos na Argentina
Data:
17/07/2008
Com um voto de Minerva, o vice-presidente da Argentina e presidente do Senado, Julio Cobos, derrubou, nesta quinta-feira, o projeto de lei do governo da presidente Cristina Kirchner que previa o aumento dos impostos às exportações de grãos. O voto de Cobos foi decisivo após um empate de 36 votos a favor e 36 contra à medida que gera, desde março, uma longa disputa entre o governo e produtores rurais. No fim de uma votação que durou 18 horas, coube a ele o voto de minerva. “É o dia mais difícil da minha vida”, disse Cobos. “O país está partido e todos estão preocupados. A história me coloca nessa situação. Quero que o governo de Cristina, meu governo, seja o melhor de todos. Mas devo decidir com minhas convicções. O povo pede uma solução para viver em paz", disse o vice-presidente. Cobos acredita que sua decisão não colocará o governo em risco. "Há quem diga que devo acompanhar o governo para não colocar a institucionalidade em risco. Mas meu coração diz outra coisa. E não acho que isso coloque o governo em risco. Acho que a presidente vai me entender. A história me julgará, não sei como. Peço a presidente que busque outro projeto", declarou. Esta é a primeira derrota do kirchnerismo, grupo político que governa o país há cinco anos. Comemorações Assim que a votação terminou, depois das 04h00 horário local (mesma hora em Brasília), houve buzinaços, cornetas e gritos de "viva Cobos", em diferentes bairros da capital Buenos Aires. Os ruralistas, reunidos durante horas, diante de um telão no bairro de Palermo, comemoraram. "Venceu a democracia. Valeu a pena entrar nesta luta", disse Eduardo Buzzi, presidente da Federação Agrária Argentina. Ao mesmo tempo, os partidários da presidente deixavam, sem palavras, a praça em frente ao Congresso Nacional, onde também tinham passado o dia e a madrugada erguendo bandeiras e batendo bumbos. Foi um dia tenso com uma sessão que começou na manhã de quarta-feira e sem a certeza de qual seria o resultado final. Panelaços Minutos antes da votação, moradores de diferentes bairros de Buenos Aires voltaram a realizar panelaços diante da expectativa de aprovação da medida. Durante o dia, senadores da oposição afirmavam que apelariam na Suprema Corte de Justiça contra a medida, caso fosse aprovada,. Diferentes analistas observam que o conflito entre o governo e os ruralistas representa um "alto custo político" para a presidente, que assumiu o poder há sete meses e há quatro dedica-se à essa discussão. "Não se tem memória no país de um presidente que tenha perdido apoio popular tão rápido. A presidente tinha 55% de apoio no início do ano e agora tem 20%", disse Fernando Laborda, colunista político do jornal La Nación. "Por isso, qualquer que fosse o resultado, não significaria uma vitória para o governo. O desgaste foi grande", completou. Vigília Durante a sessão, transmitida ao vivo por diferentes emissoras de televisão, ocorreram momentos surpreendentes. O senador governista Miguel Pichetto, da Frente para a Vitória, insinuou que o governo correria risco se a medida não fosse aprovada. "Temos que lembrar que um dos motivos da saída de (ex-presidente) Fernando de la Rúa foi a falta de apoio no Congresso", disse. De la Rúa renunciou em 2001. Manifestações reuniram milhares no dia da votação Néstor Kirchner comandou ato em frente ao Congresso Nacional Senadores da oposição, como Ernesto Sanz, da UCR, afirmaram que a Argentina não voltará a ser mesma depois desta votação. "Esse resultado apertado mostrou que o poder tem limites no país. Que a democracia funciona". O governo argumentava que a medida – batizada de "resolução 125" – engordaria o caixa do governo, permitiria a melhor distribuição de renda e ainda impediria que a alta nos preços internacionais dos alimentos chegasse à mesa dos argentinos. O setor agropecuário é um dos principais braços da economia argentina. Brasil Como ocorreu com a votação na Câmara dos Deputados, na semana passada, quando parlamentares aprovaram o projeto de lei por uma diferença de apenas sete votos, senadores citaram o Brasil e sua política agrária. "Fala-se tanto no Brasil como exemplo. Mas o Brasil é um país com uma das maiores desigualdades do mundo. É isso que queremos copiar? Não podemos pegar o Brasil como exemplo de distribuição de renda", disse o senador Eduardo Torres, da FR Misiones, que votou a favor da medida. Milagre A votação ocorreu um dia depois que dois comícios – contra e a favor dos ruralistas – reuniram multidões em dois pontos de Buenos Aires. A presença massiva foi recorde, segundo diferentes analistas, desde o retorno da democracia em 1983. A proposta do governo, lançada em março, levou à saída do ministro da Economia, Martín Lousteau, e ao aumento da desconfiança no desempenho da economia argentina no mercado internacional. No mês passado, na tentativa de reduzir a tensão, a presidente decidiu mandar o texto como projeto de lei ao Congresso Nacional. "O ex-presidente (Néstor) Kirchner fez vários milagres nestes mais de 100 dias de disputas (...). Um deles foi unir a oposição em apoio ao setor rural", escreveu Joaquín Morales Solá, do La Nación. Kirchner foi o principal cabo eleitoral da medida. BBC Brasil