O prefeito de Rio Verde, Paulo Roberto Cunha (PP), está preocupado com a crise no campo, que, segundo ele, não vem sendo devidamente divulgada pelas associações e pela imprensa. Mas segundo o prefeito, a instabilidade do setor rural não está vinculada apenas à crise econômica, mas a outros fatores estruturais, como “o abuso das multinacionais”. Em nota publicada na edição anterior do Jornal Opção, Paulo Roberto afirmou que, em novembro, a tonelada de adubo valia R$ 1,8 mil e, hoje, caiu para a faixa de R$ 800 a R$1 mil. O que demonstraria o nível de especulação praticado por estas empresas.
Ele conta que, na época da safra, os produtores pagaram o dobro do preço pelo adubo e, com a queda do preço dos produtos agrícolas provocada pela crise internacional, os agricultores vão receber bem menos pela safra. Paulo Roberto afirma ainda que os bancos se negam a revisar as contas, uma solicitação dos produtores, porque, refeitos os cálculos, vai se perceber que os produtores, em sua maioria, já pagaram as dívidas. Segundo o prefeito, os agentes financeiros extorquem os produtores e é preciso securitizar o verdadeiro débito.
A denúncia do prefeito de Rio Verde encontra eco na fala do presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg) e presidente da Comissão de Cereais, Fibras e Oleaginosas da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), José Mário Schreiner. Ele diz que o custo da produção aumentou de forma “absurda” este ano em relação a 2007 — “Mais de 50% por cento”. Os fertilizantes respondem por 30% desta alta. “E esta batata quente está na mão do produtor. As pessoas estão pagando feijão a 1,5 real, mas o agricultor pagou 4 reais para produzir.”
Segundo José Mário, esta bolha vai estourar na colheita da safra porque os preços estão caindo muito no mercado internacional e o custo da produção foi muito alto. “É preciso buscar um mecanismo para garantir um preço estável para esta safra. Uma política de comercialização que impeça a ação dos especuladores.” O presidente da Faeg teme que, na época da colheita, quando toda a safra é colhida de forma concentrada e o preço cai, o produtor, pressionado pela contas, entregue seu produto por um preço bem aquém do custo para os especuladores." Ele conta que o governo federal já disponibilizou R$ 3 bilhões para garantir preço, mas ele considera este montante insuficiente.
Mas existem outros problema estruturais que ameaçam o setor agrícola brasileiro, afirma José Mário Schreiner. O principal é o crédito. Ele defende uma revisão na política de crédito. “Hoje, o produtor pega dinheiro no banco, se colher bem, se não colher, perde tudo.” Segundo ele, o grande desafio de 2009 é buscar uma alternativa de crédito e seguro rural, além de mecanismo de proteção do mercado. “É preciso rever o conceito de crédito, o seguro rural nem existe — se perder a safra perde tudo — e proteger o mercado da especulação para garantir uma renda mínima ao produtor, que não pode ficar desamparado.”
Segundo o presidente da Faeg, esta instabilidade não terá efeitos profundos na safra de 2009, que mesmo assim deve ser 10% menor que a de 2008. Todavia ele alerta para as implicações futuras. Segundo ele, o abastecimento de 2009 está garantido, mas se não forem tomadas medidas sérias, a safra de 2010 está comprometida. “Se não acudirmos agora, a próxima safra será uma catástrofe para o País.” Ele lembra que 70% da safra é destinada ao consumo interno e que 30% vai para exportação. “Não se sabe quais serão os reais impactos da crise, em qual nível cairão os preços dos produtos agrícolas e a quanto chegará o câmbio.” José Mário observa que a crise afeta primeiro o agricultor, mas que depois todo o País sofre com a instabilidade no campo. “O produtor sente agora, o País vai sentir o ano que vem.”
Crise — Segundo ele, o ano de 2008 foi muito bom, mas o de 2009 é de incertezas. José Mário lembra que a agropecuária, que começou o ano como solução para o setor energético, passou a ser a vilã da pressão inflacionária e fechou 2008 sufocada pela crise financeira mundial. Em 2008, foram batidos recordes positivos e negativos para o setor, segundo José Mário. Os positivos foram nas cotações futuras, de produção agrícola e faturamento bruto. Mas os produtores registraram também marcas negativas. Recorde no endividamento rural, que chegou à casa dos R$ 75 bilhões, nos preços dos fertilizantes em mais de 120%, nos custos de produção, nos preços dos alimentos, devido à alta demanda e aos estoques em baixa.
Além disso, o produtor enfrentou mudanças no mercado de grãos, que sofreu redução de preços, aumentos dos custos, redução e restrição ao crédito, aumento da taxa de juros e queda de preços durante o plantio.
“O produtor plantou com um custo alto e com perspectivas de preços baixos para a próxima safra”, observa José Mário. Segundo ele, os preços médios recebidos pelos produtores foram melhores dos que os praticados em 2007, mas elevação dos custos médios de produção em mais de 40%, não compensou o aumento dos preços. Para maioria dos produtos, os custos de produção foram superiores aos preços médios recebidos pelos produtores no ano de 2008.
Diante da incerteza que ronda 2009 e da fragilidade da política agrícola brasileira, o presidente da Faeg alerta para a necessidade de se criar um novo modelo de financiamento rural, de se dar andamento à discussão da reforma tributária, que rediscuta os índices de produtividade e da necessidade de mais recursos para superar a crise.
O deputado federal Leonardo Vilela (PSDB), que é presidente da Subcomissão de Acompanhamento de Fertilizantes da Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados, está alerta em relação a situação do campo, mas mais otimista que José Mario Schreiner e Paulo Roberto Cunha. Na opinião do deputado, o problema do crédito rural no Brasil está no fato de o recurso disponibilizado não ter acompanhado a evolução da safra. Segundo ele, o recurso a juros de 6,75% representa hoje um quarto do que era disponibilizado há dez anos, quando a safra era um terço do que é hoje. Naquele período se colhia 50 milhões de toneladas e, hoje, se colhe 142 milhões de toneladas de grãos. “A safra triplicou e o crédito foi reduzido a um quarto.”
Além disso, as multinacionais, as fábricas de fertilizantes e defensivos agrícolas, passaram a exercer o papel das instituições financeiras no financiamento da colheita. Vendem os produtos para serem pagos depois da colheita. “Passamos por diversos planos econômicos nos últimos anos, os agricultores se sujeitaram a juros extorsivos para a atividade, os bancos calculavam juros sobre juros e tudo isso tornou a dívida dos produtores crônica e, em muitos casos, impagável.” Segundo o deputado, o governo concede os benefícios, mas o Banco do Brasil, principal agente da política de crédito rural do País, não aplica. “O governo dá com uma mão e toma com outra.” Na opinião de Leonardo Vilela, o Brasil precisa caminhar para um novo modelo de crédito rural.
Mas para o deputado, o maior problema da agricultura brasileira é a dependência do país em relação aos insumos. E ele não se refere ao custo dos insumos, visto que a economia é capitalista e globalizada e o preço estipulado pelo mercado internacional. O que preocupa Leonardo Vilela é a dependência do Brasil. “Precisamos aumentar a nossa produção de fertilizantes para diminuir o custo e reduzir nossa dependência.” Ele conta que 74% dos fertilizantes utilizado nas colheitas brasileiras são importados de apenas seis países. No caso do potássio a situação é ainda mais grave: 92% da substância é importada da Rússia e do Canadá.
Infra-estutura — Outro problema apontado pelo deputado e que ele considera gravíssimo é a situação da infra-estrutura, que afeta mais os Estados do Centro-Oeste. Segundo ele, os agricultores do Mato Grosso e de Goiás recebem menos pela produção por causa do custo do frete. “Pela insuficiência de ferrovias e a situação das nossas rodovias.” Leonardo, que já visitou mais de 40 países produtores agrícolas, conta que o Brasil está entre os três mais eficientes do mundo em produção agrícola, todavia enfrenta problemas de infra-estrutura que tiram a competitividade o produto brasileiro e a renda do produtor. “São necessários investimentos pesados em infra-estrutura para sairmos desta crise.”
Para 2009, Leonardo Vilela prevê problema na comercialização da safra por causa da crise, que segundo ele, não chegou com tanta intensidade no Brasil, mas deve influir na questão do crédito e da demanda. “Muito produtor não vai ter para quem vender a safra.” A queda do preço das commodities deve, na opinião do deputado, ser parcialmente compensada pela alta do dólar. “O reflexo maior será em 2010”
Todavia, o deputado afirma que a economia goiana está madura para enfrentar a crise. Ele conta que em Mineiros, sua terra natal, é impressionante a diversidade e solidez da economia. O agronegócio está muito forte, mas outros setores da economia também estão se consolidando na cidade. “Pontualmente o produtor vai enfrentar dificuldades, mas a economia está muito diversificada, consolidada e verticalizada e vai conseguir superar a crise.” O deputado diz que não quer diminuir a importância da crise, mas observa que a economia está forte suficiente para sobreviver a ela. “Nosso crescimento econômico vai na contramão do que está acontecendo no mundo.”
Ele conta que a área plantada em Mineiros de soja, milho e sorgo foi mantida em 117 mil hectares. Que a cana-de-açúcar subiu de 2,3 mil hectares para 40 mil hectares, que a área do algodão reduziu de 14 para 10 mil hectares por causa da queda no preço do produto no mercado internacional e que nunca se vendeu tanta vacina contra aftosa no município: 326 mil doses. “Aumentamos nossa produção por meio do melhoramento genético e das pastagens.” Segundo ela, em Mineiros, a produtividade da carne, leite, frango, cana-de-açúcar e grãos aumentou e isso tem reflexos na cidade, nos empreendimentos imobiliários e no comércio. “Em Mineiros, não faltam empregos. Há cinco anos isso não acontecia.”
Na avaliação do deputado, o campo tem problemas de infra-estrutura, no modelo de crédito rural e é vulnerável em relação aos insumos. “E isso é inaceitável porque se trata de uma questão de segurança alimentar.” Mas segundo ele, o Brasil pode solucionar todos estes gargalos. No caso dos fertilizantes, que representam um terço do custo da produção, Leonardo Vilela diz que há jazidas no País que não são exploradas porque estão nas mãos de especuladores à espera de valorização. “Há uma jazida entre Espírito Santo e Sergipe que nunca foi explorada”, conta. Segundo o deputado, o nitrogenado, outro fertilizando importado pelo País, é produzido a partir do gás natural, que no Brasil é todo destinado à produção de energia. “Precisamos rever estas prioridades e passar a produzir nitrogenado.”
Na opinião de Leonardo Vilela, se for mudada a política de insumos e reduzida a taxa de juros — que, segundo ele, hoje só favorece as instituições financeiras e representa uma transferência de renda do produtor rural para os banqueiros —, a crise no campo “não está tão feia como o diabo pinta”. Segundo ele, o Brasil tem tecnologia, terra e clima de excelente qualidade e é líder mundial no setor. “Podemos enfrentar estes problemas, basta querermos.”