Soja - Distinção entre as duas sojas é cada vez mais difícil
Data:
28/04/2009
A soja transgênica é uma realidade. Até mesmo os simples indícios de transgenia em culturas de soja convencional geraram prejuízos aos agricultores, como mostrou reportagem publicada na edição de ontem da Gazeta Mercantil. Os problemas se multiplicaram a tal ponto que no Paraná, produtores perderam contratos assinados porque compradores, que preferem o produto convencional, o cancelaram por encontrar evidências de soja transgênica. A escolha parecia racional: em busca de maior lucro, alguns optaram por plantar só a soja convencional, certos do prêmio de R$ 2 por saca, No entanto, o manejo inadequado das sementes, ou na própria lavoura, provocou a contaminação da soja tradicional pela poeira dos grãos transgênicos.
O resultado foi muito ruim para o produtor. Aqueles que tentaram honrar contratos antecipados acabaram surpreendidos com o resultado positivo para transgênicos sempre realizados no ato de entrega. Com essa quebra de contrato foram surpreendidos com um duplo prejuízo, perderam o prêmio por saca e tiveram de pagar royalties para a empresa dona das sementes geneticamente modificadas. O manejo inadequado atinge todo a cadeia produtiva e começa na falta de limpeza das máquinas e no beneficiamento. Não são poucos os que manifestam opinião nas áreas de plantio de soja de que o quadro, a continuar inalterado, provocará o desaparecimento da soja convencional.
Há decisões judiciais envolvidas nessa questão. Em 15 de abril, uma concessão de liminar do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, determinou que a taxa de 2% cobrada do agricultor pela multinacional dona das sementes transgênicas seja depositada em conta judicial e não mais entregue à empresa. A decisão tinha validade nacional e atendia a reclamos dos sindicatos rurais de Passo Fundo, Santiago e Sertão, contra essa taxa. A Federação das Cooperativas Agropecuárias do Rio Grande do Sul lembrou que a cobrança dessa taxa é produto de acordo entre cooperativas, cerealistas e a multinacional. Porém, em 22 de abril a liminar foi revogada revalidando o acordo sobre a taxa por saca de soja transgênica. As sementes de soja geneticamente modificadas são responsáveis pelo aumento de rentabilidade na lavoura e, por essa razão, os que usam as sementes com tecnologia roundup ready pagam 2% sobre a comercialização dos grãos para a empresa detentora da propriedade intelectual dessa tecnologia.
O papel do Ministério da Agricultura em todo esse processo permanece incerto. Para produzir sementes efetivamente separadas seria necessário um papel muito mais atuante dos órgãos públicos. Um processo de certificação eficiente obviamente ajudaria a todos, e as próprias empresas de sementes repetem que um mercado das duas variedades de soja deve conviver em harmonia. O problema, como sempre, é a realidade operacional desse quadro. O ministério, por exemplo, repete que desconhece qualquer denúncia sobre o assunto das sementes contaminadas e reage com o apelo burocrático costumeiro: encaminhar a denúncia ao setor de mudas e sementes do ministério, ou nas superintendências locais, disponível em cada um dos estados brasileiros. Os responsáveis pela distribuição das sementes tem outra versão do problema e não acreditam que a presença oficial o resolveria: repetem que equipamentos alugados ou até o transporte em caminhões pouco limpos contaminariam a soja convencional. A permissão para que o produtor exija a análise do lote no ato de compra das sementes pode eliminar toda responsabilidade dos fornecedores e atestar que problemas de manejo está na origem da contaminação. A multinacional dona da tecnologia insiste em que não cobra royalties de quem comprovadamente usou soja convencional, e reafirma que a possibilidade da contaminação ocorrer no campo é muito pequena e que os testes são suficientemente eficientes para garantir que os produtores de soja convencional tenham proteção.
Há, sem dúvida, uma grave distorção em todo esse quadro e está cada vez mais difícil e complexo identificar com rapidez a distinção entre os dois tipos de soja, o convencional e o geneticamente modificado. As cadeias produtivas parecem operar com muita proximidade para que essa diferenciação seja bem clara e ostensiva. Portanto, será que essa classificação distintiva entre soja convencional e transgênica ainda vale ou, as duas sojas, tanto no campo conceitual, como regulatório ou fiscalizatório, não subsiste no mundo real. A soja é responsável por grande parte dos 42% do PIB brasileiro construído pelo agronegócio. Essas distinções pouco reais estão colocando em perigo as conquistas do agronegócio. O que, decididamente, não é um bom negócio.