Cidade no Mato Grosso quer ser exemplo de como produzir sem desmatar e obedecendo as leis
Os primeiros agricultores que chegaram à cidade de Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso, há 28 anos, foram estimulados pelo governo federal a desmatar o Cerrado. É que, naquela época, a ordem era crescer sem se preocupar com o meio ambiente. O tempo passou, as prioridades mudaram, e o município, que representa só 0, 04% do território brasileiro, é hoje o maior produtor de milho do país, com 10% do total, e produz 1% da soja. Isso às custas de 68% de sua área desmatada e muito agrotóxico. Tantos prejuízos ambientais, fora alguns problemas sociais, como o trabalho escravo em diversas fazendas, foram insustentáveis.
Mas precisou um empresário, hoje prefeito, chocar-se com a rejeição de europeus a produtos brasileiros lá fora para que algo fosse feito: - Em 2005, na Alemanha, vi pessoas olhando rótulos de produtos brasileiros e se negando a comprar por conta do que falam lá fora, de que a gente desmata a Amazônia, principalmente no Mato Grosso (estado por muito tempo campeão de desmatamento, hoje na segunda posição). Se queremos continuar crescendo, precisamos nos atentar a isso - disse o prefeito Marino Franz.
Marino é sócio-majoritário da Fiagril, que produz insumos agrícolas, inclusive agrotóxicos, e mais recentemente biodiesel. A empresa é uma das que patrocina, com a Syngenta (também produtora de agrotóxicos) e a Sadia (que abate frangos e suínos na cidade), o Projeto Lucas do Rio Verde Legal. Através do programa conduzido pela prefeitura e pela ONG The Natural Conservancy (TNC), a meta é transformar a cidade na primeira do país sem passivos ambientais.
Em 2006, a TNC iniciou levantamento das 670 fazendas e descobriu que era preciso reflorestar 2.500 hectares de Áreas de Preservação Permanente (APP) desmatadas em 408 fazendas e que as reservas legais eram bem menores do que hoje rege a lei, que prevê 35% de reserva no Cerrado. A situação só não era pior porque muitos fazendeiros já mantinham a seu modo vegetação perto de rios, córregos e nascentes. Mas a extensão era insuficiente ou as plantas inadequadas.
A família Ambiel foi uma que teve que recuperar oito hectares de sua APP.
- Nos adequamos à lei sem dificuldade e diversificamos a produção para usar melhor nosso espaço o ano todo. Plantamos soja, milho, feijão e criamos ovinos - disse Fernando Ambiel, que tem oito empregados com suas famílias na fazenda.
Mato Grosso tem 12 fazendas na lista suja do trabalho escravo, nenhuma em Lucas. Mas a secretária de Agricultura e Meio Ambiente do município, Luciane Copetti, admite que já houve problemas: - Quando a Sadia chegou, produtores contrataram empreiteiras para trazer trabalhadores do Nordeste, mas algumas não respeitavam direitos trabalhistas.
Alertamos os produtores, que baniram essas empreiteiras, e hoje está tudo certo - contou Luciane.
A Sadia entrou no projeto Lucas do Rio Verde Legal para garantir que os fornecedores seguiriam as leis trabalhistas. Hoje a empresa dá outro passo: - Estamos investindo em educação ambiental nas escolas e vamos capacitar 150 jovens para serem empreendedores sustentáveis e aproveitar oportunidades que surgem - disse Luciana Lanzoni, coordenadora de investimento social do Instituto Sadia.
Técnicos da TNC e da Fundação Rio Verde, onde são feitas pesquisas agrícolas, também orientam produtores para se adequarem, sob o ponto de vista do trabalho, meio ambiente e uso de agrotóxicos.
Não é fácil. Além da resistência dos produtores, a experiência de isolar uma área para ela se recuperar sozinha não tem surtido muito efeito. Poucas plantas reaparecem e é preciso replantio, que custa até R$ 10 mil o hectare.
- É difícil recuperar o Cerrado, o solo é fraco, ácido, poucas sementes brotam sozinhas e não há produção de mudas hoje para todos que pretendem replantar.
Estamos fazendo vários pilotos e pesquisas para resolver isso - disse Giovanni Mallmann, coordenador regional da TNC.
A estrada é longa. O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Lucas do Rio Verde, Nilfo Wandscheer, apoia o projeto para tornar a cidade sustentável, mas não comemora antes da hora: - O produtor encontra restrição no mercado se não segue normas ambientais, sociais e sanitárias e se compromete a zerar seus passivos, mas quero ver para crer. Além disso os pequenos não podem ser esquecidos porque são eles que vão alimentar essa população que cresce na cidade, hoje ainda abastecida por alimentos de fora, mesmo com tanta terra que temos aqui - disse Nilfo.
Segundo o coordenador da Empresa Matogrossense de Pesquisa, Assistência e Extensão (Empaer-MT) em Lucas, Aldo Almeida, os alimentos já vieram todos de fora da cidade, mas hoje 95% do que é consumido é produzido lá. Estima-se que 120 famílias vivam da agricultura familiar, mas é preciso aumentar isso, para alimentar a população que, em apenas dois anos, subiu de 33 mil para 45 mil habitantes.
Agricultores como Vital Baran, que planta principalmente cenouras em 2,4 hectares do total de cinco, nem têm acesso à energia, apesar da usina hidrelétrica na cidade.
- A rede elétrica não chegou e assim não posso conservar alimentos, nem ter máquina para agilizar o trabalho - lamentou Vital.
Seja como for, o clima que se respira em Lucas do Rio Verde é de mudança rumo a uma sociedade que respeita o homem e o meio ambiente. Fica claro que o propulsor não é uma ameaça de ambientalistas ou uma lei, mas sim a força do mercado, com todas as exigências impostas pelos consumidores.