Geral - Sinal de melhora no fluxo de pagamento de dívidas agrícolas
Data:
17/02/2010
Cinco anos após uma das mais graves crises de renda do setor rural brasileiro, o perfil de endividamento dos produtores entrou em uma espiral descendente, o que exige menos sacrifícios de caixa, projeta uma redução substantiva dos débitos no médio prazo e pode inaugurar um novo ciclo de investimentos no campo.
O cenário de estabilidade futura em um setor marcado por turbulências financeiras sistemáticas reflete a melhora estrutural operada pelo governo em sucessivas renegociações de dívida. Também se explica por um período de rentabilidade em alta nos últimos dois anos. A retomada não deverá ser uniforme. Produtores rurais de alguns Estados do país e de culturas específicas devem viver mais um ou dois anos até a reabilitação.
As tendências da economia rural são detalhadas em um minucioso estudo da consultoria Agroconsult que o governo federal tem utilizado para auxiliar seus planos para o setor nas próximas safras. A herança dos piores dias das crises climáticas e de renda de 2004 e 2005 era uma dívida calculada em R$ 16,8 bilhões em 2007. Esse era o total das parcelas anuais das dívidas com programas de investimento, financiamentos de custeio e fundos constitucionais, além de passivos com fornecedores privados e com o Tesouro Nacional.
A recomposição financeira da maior parte dos produtores nos últimos cinco anos foi ancorada em boas safras, preços acima das médias históricas e na manutenção da demanda mundial em alta. Como resultado desse panorama, o endividamento do setor recuou a R$ 9,4 bilhões na projeção para 2010.
A maior redução desse passivo ocorreu em razão da quitação de dívidas com os fornecedores privados dos produtores, como tradings, cerealistas e revendedores de insumos. Nesse período, esses débitos recuaram de R$ 4,1 bilhões para apenas R$ 500 milhões. A fatia de dívidas com investimentos também encolheu fortemente - de R$ 7 bilhões para R$ 2,8 bilhões.
"O endividamento não desapareceu. Há ainda problemas entre credores e devedores, mas com a redução da temperatura. Este 2010 marca a superação da crise da dívida, que começou a melhorar a partir de 2008, e já se visualiza a normalidade", avalia o economista André Pessôa, sócio da Agroconsult. "As dívidas vão sendo pagas com a renda e isso ajuda na retomada da expansão do setor".
As boas projeções para o campo brasileiro nos próximos anos permitem vislumbrar uma tendência significativa de retração no passivo rural. Em 2011, as parcelas das dívidas devem cair a R$ 8,4 bilhões, passando no ano seguinte a R$ 6,5 bilhões e recuando para R$ 5,4 bilhões em 2013. Até 2014, a dívida rural deve chegar a R$ 4,5 bilhões, um nível considerado muito confortável por especialistas.
"Temos indícios de um ciclo pela frente. É claro que há um passado que precisa ser acertado para saber o que sobra em caixa. Ainda há um empate técnico, mas já dá para ter tranquilidade", diz o especialista da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Ademiro Vian.
O cenário admitido pelo governo leva em consideração problemas pontuais em Estados como Minas Gerais e Santa Catarina, onde o peso da renda do café e do milho impedem a plena recuperação em 2010. "Em 2009, mesmo onde faltou renda, havia gordura para pagar contas. Em 2010, a situação volta a ser favorável", diz André Pessôa. Em Mato Grosso e Goiás, a retomada nos investimentos em máquinas e na abertura de novas áreas deve demorar um pouco mais. "Mas a expectativa positiva para 2010 já está se confirmando".
O trabalho avalia que a geração de renda deve ser suficiente para pagar as dívidas, de investimento e de custeio, porque superará a depreciação de máquinas, equipamentos e das benfeitorias. No quadro geral, o saldo líquido do caixa após essa depreciação deve passar do déficit de R$ 3,9 bilhões em 2009 para um resultado positivo de R$ 4,4 bilhões em 2010. A diferença entre a renda gerada menos o estoque da dívida melhora muito até 2014, passando de R$ 7,8 bilhões em 2011 até R$ 15,5 bilhões no fim do período projetado.
"Será a quarta safra de recuperação de renda. Isso é visível em feiras e nos bancos", avalia o diretor de Agronegócios do Banco do Brasil, José Carlos Vaz. "É algo gradual, com melhora ao longo do tempo. Mas o cenário de produção é bom e a oferta mundial será boa. Pode haver depressão de preços, mas a valorização do dólar compensará", afirma ele.
O executivo alerta para a urgência de alterações estruturais no setor, como a criação de um novo regime de tributação, a migração do produtor para "Pessoa Jurídica" e o incentivo à utilização do seguro rural e a operações de proteção cambial ("hedge"). O BB estimava emprestar R$ 39,5 bilhões ao setor na atual safra 2009/10, mas já reviu os planos para atender uma demanda até 20% acima disso.
O estudo mostra, ainda, que o maior peso das dívidas está concentrado na soja (56% do total), milho (18%), arroz (11%) e algodão (6%). "Precisamos de mais umas três safras boas, com preços e clima bons, para chegar a um nível ideal", prevê Ademiro Vian, da Febraban. Há, segundo ele, uma tendência de aumento nos preços dos insumos, sobretudo fertilizantes importados.
"Sobrevivemos à crise mundial e a tendência é melhorar o que já está bom. Só precisamos tomar cuidado com esse 'stop and go', reduzir a volatilidade da renda", alerta o diretor do BB, José Carlos Vaz.